UNO Agosto 2013

Construindo confiança

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A teoria da gestão define a aversão à incerteza como um dos fatores que podem explicar a “cultura de um país”. De acordo com Hofstede, algumas sociedades têm uma menor taxa de tolerância à ambiguidade, enquanto outras têm desenvolvido a sua capacidade de lidar melhor nesses ambientes. Os países latinos têm em comum uma pontuação elevada nesta categoria, o que indica que eles são mais resistentes à mudança, enquanto os países anglo-saxões se sentem muito mais confortáveis quando as regras mudam e é preciso se adaptar.

Esta dimensão cultural nos está impedindo de responder adequadamente a uma realidade tão dinâmica como a que estamos vivendo na segunda década do século XXI? É a nossa tendência a nos apegar às tradições e tentar minimizar o nível de risco uma boa estratégia para enfrentar o futuro? Podemos continuar gerenciando empresas e governando países prometendo um horizonte sem nuvens ou devemos mudar nosso discurso e admitir que, em tempos de tempestade, a única certeza é que a travessia não será fácil?

Em uma situação específica de crise, a reputação e a confiança são as chaves para nos dar uma segunda chance

Qualquer uma das duas opções (embora, francamente, não pareça muito realista) passa pelo fato que aqueles que nos ouvem, possam nos dar uma chance de provar isso. Que acreditem em nós e se sintam confortáveis. Em definitivo, que a nossa reputação nos ajude a construir a confiança necessária para fazer bem o nosso trabalho.

Esses dois fatores, reputação e confiança são “a moeda da nova economia” ou o “capital social das organizações.” Sabemos que, em uma situação específica de crise (um acidente industrial, a retirada de um produto), são as chaves para ter uma segunda chance, e as que nos permite reconhecer um erro quando o cometemos e que, mesmo assim, nos deixem demostrar que queremos fazer melhor as coisas.

confianza-fullExiste hoje, no entanto, um mercado onde não temos a sensação de “crise permanente”? De um lado do Atlântico, os países envolvidos na recessão econômica, da qual está derivando uma grave crise social. Na outra beira, por parte dos governos que representam desafios constantes para o desenvolvimento de negócios, tais como Argentina, Venezuela e Equador, a situações como o conflito armado na Colômbia, a insegurança no México ou a instabilidade social no Peru, que mesmo em um boom econômico geram dúvidas e evidenciam riscos.

Devemos, portanto, aprender a conviver com a incerteza e desenvolver a flexibilidade de nos adaptar às mudanças. Estas competências devem ser aplicadas também ao desenvolvimento de estratégias de reputação para que nosso “saldo de confiança” se recupere no mesmo ritmo em que as circunstâncias nos obrigam a usá-lo.

Para conseguir isso é importante evitar que a rapidez de reação seja confundida com a falta de visão, ou simplesmente com uma visão de curto prazo. Definir e comunicar claramente e de forma permanente a visão de negócio e os valores fundamentais do mesmo, cria esse guarda-chuva conceitual necessário para que, na implementação de ações táticas, demonstremos tanto coerência quanto capacidade de resposta. Quando o discurso corporativo é muito abstrato não gera confiança suficiente, pois nosso público não pode ver o seu impacto. No outro extremo, se não formos capazes de transmitir uma visão compartilhada, cada grupo e cada indivíduo vai interpretar o nosso agir de forma diferente.

Para ter sucesso, é agora mais do que nunca quando se utiliza uma expressão em inglês difícil de traduzir, walk the talk: é preciso dar o exemplo e mostrar que adaptabilidade não é antônimo de integridade.

É, portanto, essencial demonstrar ação de curto prazo com visão de longo alcance e constantemente fazer a ligação entre os dois para evitar a dissonância cognitiva entre os nossos públicos. Além disso, a experiência –principal fonte de reputação– deve estar perfeitamente alinhada com a comunicação e vice-versa. A desconfiança é automática se nossos stakeholders acham que estamos dizendo uma coisa e fazendo outra.

Temos de dar o exemplo e mostrar que a conformidade não é antônimo de integridade

Uma reação instintiva nestas situações pode ser não sair, não comunicar. Temendo ter que se retratar ou cair em contradições com que em outro momento expressamos, a tentação de nos esconder é alta. No entanto, em tempos de incerteza, a visibilidade (bem gerenciada) dos líderes é mais importante do que nunca. Ao refrão vigente de “se você não falar os outros vão falar por você”, se soma o fato de que a falta de pró-atividade na comunicação é muitas vezes interpretada como uma falta de interesse. Mais que nos qualificar como sábios, quem não nos vê ou nos ouve, entenderá que a razão para o nosso silêncio é que nós não nos importamos.

Para fechar este ponto, não podemos continuar a aplicar o paradigma de espera para resolver o problema. O ex-presidente Uribe teria gerado a confiança dos investidores internacionais se esperasse os guerrilheiros assinarem a paz? Obviamente, não. Ainda estaríamos à espera e muitos empresários não teriam ouvido os benefícios e oportunidades oferecidas pelo país em que operam com sucesso hoje. Sem esconder os problemas ou fingir que eles não têm impacto, ir valorizando como eles se minimizam e onde se pode conseguir resultados é a melhor maneira de fazer o caminho.

Voltando ao longo prazo e saindo do enfoque tático da reação pontual e a atitude a assumir em casos específicos, em outros países temos exemplos de empresas que, apesar da crise passada ou presente, conseguem navegar na tempestade. Aqueles que parecem menos vulneráveis às mudanças regulatórias ou ideologias políticas, que têm a favor do consumidor mais do que nunca que a recessão não deixa ninguém imune ou que, cometendo erros como qualquer outro, saem mais fortalecidos que feridos admitindo seus erros.

Sem dúvida, são as empresas com liderança visionária que adaptaram seus modelos de negócios às circunstâncias (em muitos casos, se antecipando a elas), mas também são organizações que alcançaram uma apreciação genuína entre seus principais stakeholders. Como? Com um nível elevado de “compromisso social” sustentado ao longo do tempo.

Sejam empresas ou governos os que devem construir confiança em ambientes altamente incertos, nenhum o conseguirá se ainda não estabeleceu uma relação de respeito mútuo e valor compartilhado com seus principais stakeholders

 

Um colega disse recentemente que o salto da “responsabilidade” com o “compromisso” social, será o sinal de que deixamos de fazer algo porque é obrigatório e passamos a fazê-lo por convicção genuína. Pode ser uma questão de semântica, mas a diferença, que realmente se conecta com a sustentabilidade, é importante de qualquer maneira. Que o nome seja novo, não significa que o seja o conceito.

Há, felizmente, organizações de todos os tamanhos e origens que, graças a essa filosofia, superaram ou estão superando momentos críticos. Seria Mercadona na Espanha o que é hoje sem a sua visão de benefício compartilhado e trabalho de longo prazo com os fornecedores? Ou será que o Banco de Crédito do Peru teria conseguido conter a nacionalização dos bancos sem o aval dos seus funcionários? A Empresa Polar Poderia permanecer privada se os consumidores não a identificassem como um símbolo de orgulho venezuelano?

Sejam empresas ou governos os que devem construir confiança em ambientes altamente incertos, nenhum o conseguirá se ainda não estabeleceu uma relação de respeito mútuo e valor compartilhado com seus principais stakeholders.

Luisa García
Sócia e CEO para a Região Andina LLORENTE & CUENCA
Especialista em gestão de contas regionais e consultoria estratégica, é Sócia e CEO da LLORENTE & CUENCA na Região Andina. Foi consultora na companhia Issues e desenvolveu projetos de pesquisa acadêmicos com a Confederação Europeia de Relações Públicas. Formada em Publicidade e Relações Públicas pela Universidad Complutense de Madrid, tem pós-graduação nas universidades de Georgetown e Phoenix nos EUA e Adolfo Ibáñez, no Chile. @luisagarcia

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