UNO Agosto 2013

É a ética, estúpido!

etica
Escândalos. Escândalos e mais escândalos. Você só precisa abrir as páginas dos jornais para encontrar um escândalo após o outro. Não importa o país (da China aos Estados Unidos, passando pela Espanha, com escala na Itália ou na França). Não importa qual seção do jornal (economia, esportes, política ou cultura). Não importa a época (20 anos atrás ou na semana passada). Não importa: os escândalos estão aí e são manchete dia após dia.

Não é questão de se perguntar o porquê. Ou talvez sim. Algum tempo atrás li –não me lembro onde– que, no final, todos os escândalos tinham origens comuns: sexo ou cobiça. E talvez, assistindo a filmes como “Inside Jobs” –uma dessas produções essenciais para entender a crise econômica– é possível que ambas as causas apareçam juntas de forma sistemática (Aviso desde já: neste artigo eu me concentro exclusivamente na cobiça).

Para combater estes escândalos, nos últimos dez ou quinze anos, surgiram nos cinco continentes, tanto no âmbito da sociedade civil como no mundo corporativo e institucional, um conjunto de medidas para estabelecer limites e linhas vermelhas para a cobiça pura e simples.
Vimos surgir leis de transparência e de governança corporativa. Assistimos a movimentos a favor da responsabilidade social e de combate à corrupção. Vimos condenações públicas de todos os escândalos. E até vimos funcionários públicos incorporando ao seu salário um bônus especial por se comportar eticamente (como o caso da presidente do FMI).

Por que os escândalos são manchete dia após dia? Não é (apenas) um problema a ser corrigido com leis, movimentos ou declarações. Isto, no final das contas, trata-se de outra coisa: valores e, acima de tudo, a ética

Vimos de tudo. Mas, no final das contas, não paramos de ler essas manchetes escandalosas. Por quê? Por que nenhuma lei, nenhum movimento ou condenação social ou judicial rendeu os frutos desejados? Temo que a resposta não seja fácil, mas me atrevo a especular. Acho que este não é (apenas) um problema que se resolve com leis, movimentos ou declarações. Isto, no fundo, se trata de outra coisa: valores e, sobretudo, ética. Parafraseando o Bill Clinton poderíamos até dizer… “É a ética, estúpido!”

E esse é o problema. O que é a ética. Falar de ética nos leva a abordar uma daquelas grandes palavras, um conceito tão amplo que é muito difícil de colocar-lhe um rosto e olhos. Ética é difícil de descrever, porque tem muitas facetas culturais, religiosas de valores ou crenças. Mas acima de tudo, a ética é um conceito difícil de gerir, porque qualquer pessoa que assume a gestão dos assuntos públicos de uma empresa pode pensar que “ao entrar nessa poça”, corre o risco de invadir o campo das crenças individuais. Portanto, estamos diante de um problema: porque quando falamos de ética é fácil confundir todos os níveis que implicam a uma pessoa (privado, público, institucional e, também, laboral).

Mas o fato de ser um problema, não significa que não devemos agir. Cada um no seu âmbito pode “definir” e “gerenciar” os aspectos éticos da sua atividade e, consequentemente, limitar a cobiça, que é o que geralmente está na origem de quase todos os debates éticos.

A transparência é capaz de explicar o que você faz, com argumentos e dados

O que pode ser feito desde o mundo empresarial para “definir” e “gerenciar” a ética? O que pode ser feito para colocar um limite na cobiça? Talvez as receitas abaixo não sejam nada de novo, mas é que sobre este assunto está quase tudo já escrito… o problema é que pouco se executa. Aqui estão algumas:

etica-fullPrimeiro: Contar com um Código de Ética que defina quais são os principais critérios de comportamento de uma organização na sua relação com clientes, colaboradores, acionistas, fornecedores, sociedade em geral, etc. Cuidado: não falamos de uma ética genérica nem de umas crenças específicas. Nos referimos ao que em determinadas organizações se entende por relações éticas. Até aqui, o usual. O que começa a ser um pouco mais avançado é que, como em qualquer Constituição, o Código deve derivar de um quadro de políticas e regulamentos internos para desenvolvê-lo e torná-lo mais visível. Por exemplo, um código pode proteger um “princípio da igualdade” no genérico, mas será conveniente que a empresa adote uma política abrangente sobre este assunto e regulamentos específicos nos quais sejam incluídos objetivos, indicadores, metas e datas relevantes.

Segundo: Contar com uma Unidade de Gerenciamento do Código. “Implantar um código” exige mais do que uma publicação ou um quadro regulamentar. Exige um órgão capaz de promover a cultura da ética, de treinar aos funcionários em seus princípios e valores, promover políticas internas, decorrentes do Código; de canalizar dúvidas, sugestões ou “apelos” ao Código, e garantir o seu cumprimento em todos os níveis organizativos. Todas essas coisas que ajudam a tornar visível e real uma “bonita” declaração de princípios.

Terceiro: Influenciar o sistema de tomada de decisões. Esta é a parte mais complexa porque transcende a categoria de “cumprir” para subir ao nível de “viver”. Viver um Código Ético não é nada mais do que filtrar as decisões através da peneira que representam os valores e princípios da empresa. Algum tempo atrás eu tive a sorte de assistir a uma apresentação onde um responsável da Johnson & Johnson comentou seu processo de decisão com base em seu famoso “Credo”. Fiquei impressionado com a simplicidade de um processo que consistia em quatro fases: (1) “Reconhecer o desafio moral”, detectando se há um conflito entre dois bens que devem ser protegidos, (2) “Encontrar uma boa decisão” para o longo prazo; (3) “Testar a decisão provisória”, perguntando como você explicaria a decisão à sua família ou a um terceiro, e (4) “atuar com coragem”, reduzindo suas expectativas, se necessário, ou assumindo as consequências de sua decisão. Incrivelmente simples. Extraordinariamente útil. Mas isso requer muitos anos de trabalho: alguns especialistas acreditam que, pelo menos, 15 ou 20 anos de exercício contínuo.

Ou colocamos limites à cobiça ou, finalmente, ela nos devorará e levará consigo o sistema de valores do mundo occidental

E quarto: ser transparente. Há muito tempo eu ouvi que a transparência é o melhor desinfetante para a corrupção. Transparência, longe do que muitos podem pensar, não consiste em publicar “urbi et orbi” todas as contas, contratos, sistemas e dados de uma empresa. Isso mais do que transparência é nudez. A transparência é poder explicar aquilo que você faz, com argumentos e dados.

Sou ciente que não ofereço nada de novo. Que muitas ou todas as coisas às quais me refiro neste artigo já são conhecidas. E que talvez tenha caído em muitos lugares comuns. Mas sei também que as consequências dos escândalos estão aí. Também estou ciente de que a vida não é binária (zeros e uns) e que nem tudo é preto ou branco: há muitos tons de cinza em cada uma das decisões que tomamos. E eu sei que, acima de tudo isso, ou colocamos limites à cobiça ou, finalmente, ela nos devorará e levará consigo o sistema de valores do mundo ocidental. E disto estou particularmente consciente.

Alberto Andreu
Conselheiro da Cátedra de Ética Econômica e Empresarial do ICAI-ICAD
Conselheiro da Cátedra de Ética Econômica e Empresarial da Universidad Pontificia de Comillas (ICAI-ICADE) e Diretor de Reputação Corporativa, Relações Institucionais e Inovação Social da Telefónica. Ocupou vários cargos de direção de comunicação da CEPSA, Banesto e Banco Santander Central Hispano. Atualmente, é professor associado do Instituto de Empresa e membro do Conselho Estatal de Responsabilidade Social Corporativa pelo Ministério do Trabalho. Formado em Direito pela ICAI-ICADE, com MBA pelo Instituto de Empesa, cursa o Doutorado em Economia pela Universidad Pontificia de Comillas. @aandreup

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