UNO Setembro 2013

A identidade digital ou a aposta definitiva pela transparência

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O princípio de identidade é um dos pilares que cimentou a lógica e a filosofia. Um salva- vidas fundamental que nos ajudou a entender e a nomear o mundo que nos cerca. Uma das poucas certezas que nos levou a afirmar que o sol, por mais que mude de cor e de posição no firmamento, continuará a ser chamado da mesma maneira porque sua identidade não variou. Sempre será o sol (inclusive quando só enxerguemos seus raios em um dia nublado). No cenário online, assistimos há anos a uma realidade que faria as delícias de qualquer psicanalista: nossa identidade digital não tem por que corresponder com o que até agora entendíamos como nossa identidade real. Este desdobramento de nossa personalidade se complica ainda mais se analisarmos o tremendo impacto que representou na internet a irrupção das redes sociais: a conversa flui em todas as direções e, o que é ainda mais surpreendente, já não há um sentido único. Todos somos –ou podemos ser– criadores de mensagens.

Nossa identidade digital não tem porque corresponder com o que até agora entendíamos como nossa identidade real

Oscar Wilde, que fez da ironia um estilo de vida, afirmava que era necessário ser um mesmo porque todos os demais já estavam definidos “Be yourself; everyone else is already taken”. (( Oscar Wilde (1854-1900).)) Agora mais do que nunca nos vemos na necessidade de definirquem somos porque tememos que sejam outros que se antecipem e facilitem sua versão extraoficial de nossa pessoa. Há quem opte por guardar uma espécie de anonimato digital com a confiança de que, caso se mantenha afastado de blogs e redes sociais, sua identidade ficará ligada unicamente ao que ocorre no mundo real. Alguns já se deram conta de que a internet também é parte do mundo real, não uma esfera paralela sem conexão alguma com nossa realidade. Muitas empresas estão mudando sua forma de interagir com os consumidores para que se perceba coerência em suas políticas de atendimento ao cliente independentemente do meio no qual ocorram. Estabelecer uma divisa entre a experiência de compra online e offline de um consumidor deixou de fazer sentido há muito tempo. Quando alguém não é atendido amavelmente por parte de uma operadora ou se desespera na hora de fazer o pedido através do site de sua pizzaria favorita, a imagem mental que esse consumidor decepcionado terá do serviço será seriamente deteriorada. Não distinguirá se a experiência de compra ocorreu em um entorno online ou offline (consistent customer experience across channels). A empresa lhe terá falhado porque não terá atendido eficazmente suas necessidades. Sua reputação, o mais tangível dos chamados ativos intangíveis, será corroída a médio e longo prazos, afetando em última instância o balanço de resultados do restaurante.

As redes sociais nos definem tanto como nosso documento de identidade ou nosso cartão de crédito

O que aconteceu no entorno corporativo nos últimos cinco anos com a incorporação de grandes, médias e pequenas empresas ao ecossistema das redes sociais antecipa claramente o que nos próximos anos ocorrerá no âmbito da identidade digital pessoal e profissional. As empresas entenderam que, para se relacionar com seus stakeholders ou públicos de interesse, é preciso antes ter assumido uma identidade, que não responde a outra coisa a não ser possivelmente a pergunta mais complexa que pode ser feita a um executivo- chefe: como se apresenta minha companhia e para o quê ela está aqui? A necessidade de definir esta visão foi aguçada pela marcada personalização imperante nas redes. A anonimidade dos primeiros chats e fóruns foi substituída pela identificação dos usuários. A voz pessoal ganha mais importância do que nunca. Centenas de serviços de valor agregado permitem se conectar diretamente com contas de Facebook ou Twitter. Não é necessário criar um usuário de zero, basta que digamos quem somos. O que parece um simples aceno à usabilidade para evitar quebra-cabeças aos internautas esconde uma realidade: as redes sociais nos definem tanto como nosso documento de identidade ou nosso cartão de crédito.
A expressão impressão digital é muito gráfica e esclarece bem o que persegue esse comportamento tão humano que é o buscar a si mesmo no Google. Em alguns países, este buscador acumula mais de 90% das buscas realizadas fora das redes sociais. Isso implica que o que o buscador disser de nós será visto pela maior parte dos usuários que buscam algo de nós. Na primeira página de resultados, em apenas dez links, certamente estará contida toda a informação que muitos procurarão para construir nossa identidade –sem sequer nos perguntar nada a respeito–. Bastará encaixar as peças do quebra-cabeça.
O posicionamento orgânico se transformou em uma lucrativa indústria (o chamado SEO ou search engine optimization) que visa otimizar os resultados oferecidos pelos buscadores (e cada vez mais as redes sociais) para que os produtos e serviços das companhias possam ser encontrados mais facilmente. Não convém passar por cima da importância do conteúdo neste processo. Estritamente falando, não se posicionam resultados, se posicionam conteúdos. Na hora de melhorar nosso posicionamento pessoal e profissional, é essencial definir que tipo de informação (visual, audiovisual, em formato texto, etc.) estamos dispostos a compartilhar em nossos perfis de Facebook, Twitter, LinkedIn ou Pinterest. Qual será nosso relato pessoal e profissional. A resposta a esta pergunta não é tão tática como estratégica, já que responde a uma pergunta dos filósofos de todas as épocas: quem sou eu? Certamente pensemos que, ao postar uma foto de nossas férias no Facebook, de tuitear uma notícia no Twitter ou compartilhar um conselho profissional no LinkedIn, nos guiamos por uma visão de curto prazo.
A realidade é que transferimos uma visão do mundo que nos faz únicos e que permite aos demais nos conhecer melhor em nível pessoal e profissional. Graças a esse conhecimento nascerão relações baseadas na confiança mútua que possivelmente nos enriquecerão em muitos aspectos. Isso nos leva a pensar que a gestão da reputação pessoal está no eixo de toda interação online e deveria se transformar em uma prioridade para aquelas companhias que entenderam a importância da conversa e desejam envolver seus melhores profissionais na mesma.

A gestão da reputação pessoal está no eixo de qualquer interação online

Do ponto de vista da consultoria de comunicação, se abre uma linha de trabalho apaixonante no que diz respeito à gestão da identidade digital dos diretores e porta-vozes corporativos. Segundo o estudo Connected generation da IBM ((Connected generation. Perspectives from tomorrow’s leaders in a digitalworld. Insights from the 2012 IBM Global Student Study. IBM Institute for Business Value.)), os executivos-chefes veem na tecnologia algo mais que uma ferramenta para melhorar a eficiência na organização: a consideram um componente essencial na cultura de colaboração, inovação e criatividade necessárias para a viabilidade de sua companhia. Nos próximos cinco anos, as redes sociais e os sites se posicionarão não como um canal de interação importante com os consumidores, mas como o primeiro em importância. Esta visão –curiosamente– é compartilhada tanto pelos CEOs como pelos estudantes indagados no estudo da IBM. 58% dos estudantes e 44% dos CEOs afirmaram que a necessidade de transparência tinha que ser a prioridade nas companhias.

É surpreendente contrastar como as aspirações e atitudes dos chamados millennials, autênticos nativos digitais que veem as redes sociais como parte
integrante de sua personalidade, impregnaram os planos de negócio e a visão estratégica das companhias. Percebe-se, no entanto, uma discordância
entre o que os executivos-chefes consideram que deveriam fazer e o que realmente fazem para gerenciar sua identidade e a de suas equipes na internet.
Atendendo ao estudo global Socializing your CEO, da consultoria de comunicação Weber Shandwick, atualmente menos de 20% dos CEOs das maiores companhias em nível mundial têm presença nas redes sociais. As companhias que mais estão apostando na transparência foram também as primeiras a entender as redes sociais como elemento essencial de dita estratégia de abertura e diálogo com seus stakeholders. Não é estranho constatar que existe uma relação direta entre as empresas consideradas mais transparentes segundo as diferentes medições existentes e sua pró-atividade na gestão da identidade digital de seus profissionais. A marca pessoal dos diretores e porta-vozes (não só dos executivos-chefes) se apresenta como uma ferramenta essencial na gestão da reputação, o ativo corporativo cujo valor mais aumentou nos últimos 30 anos, segundo a Standard & Poor’s (superando inclusive os clássicos ativos tangíveis ensinados nas escolas de negócio há 30 anos). Não basta que a empresa seja viável e ganhe dinheiro: há que se gerar confiança em seus públicos de interesse. E esses públicos de interesse agora têm nome e sobrenomesnas redes sociais.

Não basta que a empresa seja e ganhe dinheiro: há de gerar confiança em seus públicos de interesse

04_1Quais são os principais empecilhos na hora de abordar a presença dos diretores em redes? Após inúmeras reuniões com diretores com perfis variados, qualquer consultor de comunicação online concordará quanto à identificação das barreiras que impedem que ocorra o salto definitivo à comunicação 2.0: o atraso na incorporação da gestão da identidade digital na estratégia e cultura da companhia, o desconhecimento técnico das redes e o argumento da falta de tempo para gerenciar sua presença nas mesmas. Felizmente, as três barreiras mencionadas são facilmente salváveis com um plano de ação correto. A primeira delas é a que exige um maior esforço de sensibilização por parte das equipes internas e externas que liderem esta iniciativa. É necessário mencionar que a identidade digital não há de ser vista como uma ação isolada orientada a fazer dos diretores estrelas da blogosfera e das redes. O que representa um plano de ação coerente é a necessidade de adaptar a cultura corporativa a uma nova realidade a fim de ganhar em eficácia, gerar confiança e melhorar as relações com os stakeholders internos e externos. Os millennials, jovens consumidores e profissionais de pleno direito, não chegam a entender de que mudança cultural estamos falando porque a conversa 2.0 faz parte de seu modo de se relacionar com o mundo. Por outro lado, o desconhecimento técnico das redes costuma gerar receio, rejeição frontal ou inclusive medo. Na prática, isso se traduz em imobilismo. O conhecimento do marco de atuação e as possibilidades técnicas de cada rede resolve de forma eficaz esta resistência lógica –e sobretudo humana– perante o desconhecido. A falta de tempo é possivelmente um dos maiores mitos associados às redes. O estabelecimento de um calendário de publicação personalizado e o domínio das ferramentas disponíveis fazem com que a geração de conteúdos em redes se transforme em algo tão rotineiro como a leitura diária dos e-mails acumulados na caixa de entrada do Outlook.
Onde está a mola que pode fazer que se inicie a engrenagem da identidade digital? Na forma de abordar um projeto tão apaixonante quanto complexo.
Não se trata de tramitar bens de consumo ou serviços, mas de gerenciar pessoas, com suas motivações, aspirações e temores. Por este motivo, uma primeira fase de consultoria é altamente recomendável. No final dessa fase de consultoria, na qual será definido o documento estratégico que firmará as bases para a interação posterior, ficarão claros os objetivos que o plano de identidade digital perseguirá, os possíveis riscos reputacionais que podem surgir no exercício de pronunciamentos de porta-vozes em redes e outros espaços online e serão estabelecidas as expectativas dos diferentes públicos e, certamente, dos profissionais envolvidos. A restrição dará passo à pró-atividade, e cada profissional começará sua caminhada nas redes buscando seu tom pessoal, uma voz que lhe defina frente ao público ao qual se dirigirá e que o avaliará por sua capacidade de gerar e compartilhar conteúdos de interesse.

Aqueles diretores que abordem de maneira inteligente esta mudança cultural contribuirão de forma determinante para a melhora da reputação corporativa dascompanhias que lideram

Após a fase inicial de consultoria e definição da estratégia de identidade digital, terá começo a fase informativa, orientada a sensibilizar os participantes do programa dos benefícios que se derivam de sua presença em redes como Twitter, onde poderão emergir com capacidade de influência em suas respectivas áreas de interesse ou no LinkedIn, a rede que lhes permitirá estabelecer contato com provedores, clientes, companheiros ou profissionais de setor e que lhes permitirá melhorar sua competitividade, trabalhar de forma mais eficiente e se informar sobre novas tendências. A fase de informação deverá ser complementada com uma fase posterior de formação, estritamente orientada ao domínio das técnicas de gestão: principais redes e características intrínsecas a cada uma delas, complementaridade e limites entre o pessoal e o profissional, identificação de temas e interlocutores, truques e rotinas, ferramentas de métrica e acompanhamento, etc.
A última fase, embora não por isso menos necessária, é a fase de assistência. A auditoria periódica da identidade e da reputação digital permite avaliar e medir de forma objetiva os avanços realizados. O estabelecimento de uma rotina personalizada para cada profissional por causa das conclusões das reuniões de trabalho prévias se apresenta como uma ferramenta fundamental para o bom desempenho individual da tarefa de construção e gestão da identidade digital.
Sem lugar para dúvidas, a banal expressão pessoal branding fica muito curta para definir este fenômeno que está mudando a forma como os cidadãos interagem em seu âmbito pessoal e profissional. Aqueles diretores que abordam de maneira inteligente esta mudança cultural não se arrependerão, já que contribuirão de forma determinante para a melhora da reputação corporativa das companhias que lideram. Mais uma vez, os consumidores e cidadãos estão um passo à frente. É o momento de aproveitar esta oportunidade histórica para conversar com eles e lhes dizer quem somos.

Adolfo Corujo
Sócio e Diretor-geral para a Iberia da LLORENTE & CUENCA
Sócio e diretor-geral para a Espanha e Portugal da LLORENTE & CUENCA. É especialista em gestão da reputação na Internet. Em seus vinte anos de trajetória profissional, tem colaborado na concepção e implementação de projetos tanto para a construção como para a defesa ou promoção da identidade digital de diferentes multinacionais na Espanha e na América Latina. No âmbito acadêmico, colabora com a Universidad Complutense de Madri (UCM) e a UC3, entre outras universidades e escolas de negócios, dando aulas e palestras sobre Social Business, Marca Pessoal e Reputação Online. Participa das redes a partir do seu site www.adolfocorujo.com e de conferências informativas e científicas internacionais, entre as quais destacam-se o projeto de investigação europeu 'LiMoSINe'. Licenciado em Publicidade e Relações Públicas pela UCM e Executive-MBA pela ESADE. [Espanha]

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