UNO Setembro 2013

Reputação, marca e identidade digital

07_2
As marcas são o que a comunidade que as cerca diz delas. No ano de 1999, Larry Page e Serguei Brin iniciaram o Google, um buscador que se diferenciava de todos os anteriores por ordenar os resultados em função de um algoritmo social, o que afastava as possibilidades de manipulação dos autores das páginas. Em um prazo muito breve, o Google mostrou a ausência de fidelidade do cliente em seu mercado, ficou com uma fração de mercado majoritária em grande parte dos países e foi capaz de redefinir a web como um lugar no qual a visibilidade da informação dependia fundamentalmente dos links que obtivesse de outras páginas, um algoritmo puramente social, dependente do que fazia o entorno. Um feito que mudou completamente a maneira com a qual devemos entender elementos como reputação, marca e identidade digital.
Se um número suficiente de pessoas ligam sua página principal com um adjetivo concreto, é mais que possível que sua marca fique vinculada a esse adjetivo, pelo menos enquanto não for capaz de ser relacionada a outro. A Sociedade Geral de Autores e Editores da Espanha (SGAE) viu com horror como um grande número de páginas e artigos de diversas publicações na rede vinculavam seu site com a palavra “ladrões” como forma de protestar contra suas atuações no âmbito da cobrança de direitos autorais. Apesar das tentativas desta entidade de silenciar alguns dos que criaram esses vínculos por meio de ações judiciais –que acabou perdendo–, vários anos depois é indubitável que esta reputação continua fazendo parte do imaginário coletivo de uma maneira notavelmente arraigada.

Toda a web, absolutamente toda, funciona com um critério social

Como se deve colocar a reputação, a imagem de marca e a identidade na web? Em primeiro lugar, entendendo que toda a web, absolutamente toda, funciona com um critério social. E que como em todo entorno social, existem duas peças fundamentais para poder se movimentar nele de maneira razoável: os ouvidos e a boca. Os ouvidos, no caso da web, se correspondem com toda uma panóplia de ferramentas pensadas para que quando qualquer termo relacionado com a empresa, suas marcas, os nomes de seus principais executivos ou qualquer outro elemento identificador forem mencionados, a marca receba notícias disso de maneira imediata. Não falamos unicamente de ferramentas de alerta, mas –e fundamentalmente– de dispor de uma presença web que convide todo aquele que fale de nós a vincular a nossas páginas. A razão é singela: um vínculo com nossa informação aparecerá como tal em nossas estatísticas de acesso, e nos permitirá não somente acessar a fonte, mas também nos dará uma ideia de sua transcendência. Algo que, no entanto, não deve nos levar a desvalorizá-la: nunca se sabe quando uma fonte aparentemente pouco relevante vai ganhar em importância por meio de algum processo de divulgação viral, ou vai receber o link de uma página ou meio mais conhecido.

As páginas web de muitas empresas se parecem a cada dia mais com um meio de comunicação

07_1O ego-search, com todas as suas conotações individuais e corporativas, é uma ferramenta fundamental. Mas, além disso, deve se apoiar em uma arquitetura web que privilegie a visibilidade segundo os critérios do buscador: as páginas web em formato “folheto eletrônico” já não funcionam mais porque sua tendência ao estático as leva a indexar muito abaixo de suas possibilidades, e porque quase não proporcionam incentivos para ser relacionadas. A cada dia mais empresas recorrem a formatos mais parecidos com o blog: em um entorno no qual o Google privilegia o frescor da informação e sua circulação em âmbitos sociais, uma página estática não vai nos levar a nada mais que desfrutar de uma imagem de empresa antiquada, por mais brilhantes que sejam os designers que tenhamos contratado. Os sites de muitas empresas se parecem mais a cada dia mais com um meio de comunicação, capaz de gerar um fluxo de atenção e uma comunidade de leitores interessados e suscetíveis de compartilhar a informação que leem neles. As empresas vão aprendendo a gerar informação naqueles lugares, onde são capazes de controlá-la editorialmente –no blog ou site corporativo– e, a partir daí, lhe dar circulação em redes sociais de diversos tipos que a põem ao alcance de seu público-alvo ou de quem possa ter interesse em seguí-los.
Isso nos leva, precisamente, ao segundo órgão envolvido no desenvolvimento da reputação na rede: a boca. Se é importante ter ouvidos preparados para coletar qualquer menção a nossa marca, também é relevante dispor de uma voz que nos permita reagir às mesmas com “velocidade web”. E “velocidade web” não inclui esperar o próximo dia laboral, reunir um gabinete de crise, falar com um especialista em comunicação e enviar uma nota de imprensa: todos esses métodos são próprios do século passado. As empresas, no século XXI, se caracterizam por funcionar como as pessoas: necessitam escutar e, em pouco tempo, publicar seus reações e esclarecimentos em um lugar adequado sob seu controle. Um atraso de várias horas pode propiciar a expansão de um processo de comunicação viral que cause um prejuízo possivelmente difícil de reparar. A cada dia, as empresas se veem obrigadas a aprender uma habilidade fundamental: a de se comunicar com uma voz humana. Novas habilidades que implicam abandonar a absurda época na qual as companhias não podiam jamais reconhecer um erro e tinham que seguir sempre de maneira ridícula e forçada o ideal romano do “Citius, Altius, Fortius”: hoje, as empresas mais confiáveis são as que adotam políticas de transparência radical, as que permitem que se visualize e se entenda sua estratégia, as que mais compartilham,
as que sabem se cercar de comunidades mais fortes. Uma site, um blog corporativo, uma página pessoal ou uma conta no Twitter de um diretor, uma página no Facebook, etc. são recursos preciosos que podem, em um certo momento, dar muito mais repercussão e alcance a nossa comunicação que uma nota de imprensa enviada à imprensa convencional.

A reputação, a marca e a identidade na rede seguem uma norma fundamental: as mentiras têm as pernas curtas

No fundo, não estamos fazendo mais do que reler o primeiro capítulo um livro já transformado muito merecidamente em um clássico:”The Cluetrain
Manifesto”, que já em 1999 deixava frases com tanto sentido como “Os mercados são conversas” ou “Em poucos anos, a atual ‘voz’ homogeneizada do mundo dos negócios –o som de missões corporativas e folhetos oficiais– parecerá tão rebuscada e artificial como a linguagem da corte francesa no século XVIII”. Muitas empresas que não leram este livro se veem, hoje em dia, tentando desesperadamente se comunicar em uma web que lhes soa estranha, na qual não entendem como conversar, e só sabem lançar bombardeios patéticos e absurdos de mensagens comerciais, falando tardiamente e com o florido e característico estilo do século passado. A reputação, a marca e a identidade na rede seguem uma norma fundamental: as mentiras têm as pernas curtas. Não minta. O que parece estranho, certamente é porque é estranho. E sobretudo, aplique o bom senso. A web é, decididamente, um ecossistema diferente. A geração de conteúdo capaz de agregar valor a terceiros pode contribuir muito à reputação de uma companhia, enquanto a ultraproteção de tais conteúdos
de uma maneira que se teria entendido como natural durante o século passado pode arruiná- -la. A rede é como o mar: alimente-a com lixo e mentiras, e ela te trará só coisas más. Contribua para enchê-la de conteúdo útil e coisas boas, e te trará por sua vez mais coisas boas. E sobre isso, pouco mais que bom senso: escutar bem, agir rápido, e responder com empatia e voz humana. Um pouco mais.

Enrique Dans
Professor de Sistemas e Tecnologias de Informação, IE Business School
Professor de Sistemas de Informação na IE Business School desde 1990. Após se formar em Ciências Biológicas pela Universidade de Santiago de Compostela, cursou um MBA na IE Business School, obteve o título de Ph.D. em Sistemas de Informação na UCLA, e desenvolveu estudos pós-doutorais na Harvard Business School. Em seu trabalho como pesquisador, divulgador e assessor, estuda os efeitos da tecnologia sobre as pessoas, as empresas e a sociedade em seu conjunto. Além disso, desenvolve trabalhos de assessoria em várias startups e companhias consolidadas, é colaborador habitual em vários meios de comunicação e escreve diariamente há mais de dez anos em seu blog pessoal, enriquedans.com, um dos mais populares do mundo em lingua espanhola. @edans

Queremos colaborar consigo

Qual o seu desafio?

Quer fazer parte da nossa equipe?

Quer que a LLYC participe do seu próximo evento?