UNO Novembro 2015

Brasil, Mercosul e a União Europeia: a abertura como questão de sobrevivência

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O Brasil e os países da União Europeia (UE) têm compartilhado, ao longo da história, uma amizade estreita e duradoura, o que contribuiu decisivamente para o fortalecimento de suas relações econômicas e políticas. Embora estas relações tenham se desenvolvido de maneira mais frutífera a partir do intercâmbio de missões diplomáticas em 1960, é preciso reconhecer que teriam alcançado resultados muito mais positivos se o Brasil, pendente das armadilhas do Mercosul e da necessidade de prestar solidariedade a alguns países desta zona, como Argentina e Venezuela, tivessem sido capazes de aprofundar os esforços para desmantelar gradualmente as barreiras comerciais com a UE.

No entanto, é importante reconhecer que a posição brasileira tem sido reajustada nos últimos tempos, através de propostas ainda não concluídas de um acordo que poderia dar um novo dinamismo aos intercâmbios comerciais com a UE.

É indiscutível que o Brasil não pode permanecer indiferente diante de uma associação comercial com 28 países europeus, que somam 508 milhões de habitantes e um PIB de quase 12 bilhões de euros. A UE é um ator econômico e comercial extraordinário a nível mundial, sendo o maior exportador e o segundo maior importador do mundo, com uma participação de 20%.

Entre 2013 e 2014, o Brasil representou 2,1% do comércio total da UE e foi seu principal parceiro comercial na América Latina, com uma participação de 21,4%. A UE também é o maior parceiro comercial do Brasil, com fluxos de cerca de 61,9 bilhões de euros, o equivalente a 24,1% do fluxo do comércio brasileiro em 2014. Entre 2003 e 2013, os intercâmbios comerciais aumentaram mais de três vezes, fato que confirma a importância das relações comerciais para ambas as partes e a urgente necessidade de se chegar a um acordo que as dinamize ainda mais.

É indiscutível que o Brasil não pode permanecer indiferente diante de uma associação comercial com 28 países europeus, que somam 508 milhões de habitantes e um PIB de quase 12 bilhões de euros

Além disso, a UE tornou-se o mais importante investidor estrangeiro para a economia brasileira, com 131,9 bilhões, correspondendo a 49,2% do total de investimentos estrangeiros registrados no país em 2013. O Brasil não pode seguir acorrentado a compromissos com alguns países do Mercosul, como Argentina e Venezuela, que temem o desmantelamento das barreiras de proteção contra a concorrência da UE.

Hoje, a UE e o Brasil encontram-se diante da perspectiva de uma relação comercial rentável, e é imperativo fazer todo o necessário para superar os obstáculos. As já dinâmicas relações econômicas têm um enorme potencial de expansão: além das perspectivas de aumento do comércio, sobretudo com a expectativa de conclusão de negociações de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE, espera-se que os investimentos mútuos sigam em via de expansão.

A ciência, a tecnologia, a sociedade da informação e os meios de comunicação são outras áreas em que a cooperação, em numerosos projetos conjuntos, é promissora. O Documento Estratégico UE-Brasil forneceu um marco para a cooperação entre as duas partes durante o período de 2007 a 2013 e propôs a aplicação de um total de €$ 61 bilhões, destinados, em especial, ao desenvolvimento de diálogos setoriais, programas de bolsas de estudo e meio ambiente.

Os principais temas do programa para o período 2014 a 2020 incluem o multilateralismo efetivo, as questões macroeconômicas, os transportes marítimos e aéreos, a cultura e a educação, as mudanças climáticas, a energia sustentável, a luta contra a pobreza, o processo de integração do Mercosul e a prosperidade na América Latina. No campo da educação, quase metade dos bolsistas do Programa Ciência Sem Fronteiras, do grau de pós-doutorado, elegeram países de destino na UE para as áreas prioritárias do programa.

13Esta nova relação coloca o Brasil entre as principais prioridades da UE, que poderão receber um impulso ainda mais acentuado com a aplicação do programa de ação UE-Brasil, bem como com  iniciativas no domínio da cooperação UE-Brasil-África-Caribe. Esta modalidade complementa a cooperação Sul-Sul, prioritária para a política externa brasileira, dado que  incentiva a troca de experiências sobre a gestão dos desafios comuns aos países em desenvolvimento.

A mais recente Cúpula Brasil-União Europeia (Bruxelas, 2014/02/24), a sétima já realizada, contribuiu para as negociações do Acordo de Associação Birregional Mercosul-União Europeia, quando as partes, do mais alto nível político, reiteraram sua disposição em alcançar um acordo ambicioso, abrangente e equilibrado. Cabe salientar, do mesmo, os debates sobre governança da Internet, assunto em que o Brasil e a UE têm identificado convergência em suas posições (defesa de um modelo multisetorial, democrático e de governança transparente) e a percepção de que as tecnologias da informação e a comunicação podem ser uma poderosa ferramenta para o desenvolvimento.

É imprescindível a correta aplicação das três Cartas de Intenções entre a Comissão Europeia e o Brasil, a fim de facilitar os fluxos turísticos entre o Brasil e a UE, estabelecer um diálogo político estruturado sobre a política espacial e conceder especial importância à cooperação científica entre o Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil.

Para isso, deve-se executar com prontidão e de forma adequada, o contrato de empréstimo de 500 milhões de euros para projetos em energias renováveis e eficiência energética entre o Banco Europeu de Investimento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A Declaração Final da VII Cúpula Brasil-UE realçou o princípio de que a crescente competitividade, a inovação e o crescimento econômico não serão refletidos se a cooperação se não se reforça a cooperação em ciência e tecnologia, especialmente na ciência marinha, segurança alimentar, nutrição, agricultura sustentável, energia, nanotecnologia e inovação tecnológica. Este diálogo se insere no contexto da Associação Estratégica UE-Brasil, lançada em 2007, e que pode ser considerada um marco para as relações com o Brasil em outros campos, baseadas em interesses comuns.

Apesar dos riscos, o Brasil e o Mercosul, de maneira geral, estão cientes de que a abertura é uma questão de sobrevivência

Para isto, o Brasil deve adotar uma nova dinâmica às negociações entre o Mercosul e a UE, em busca de um acordo comercial, mas que, na prática, encontram-se paralisadas devido às políticas de subsídios e protecionismo dos produtos agrícolas. Ainda que não se conheçam os detalhes da proposta que o Brasil deseja apresentar, junto com Argentina, Uruguai e Paraguai, parece prioritário mover-se na direção de um acordo de livre comércio com a UE.

A maior resistência à evolução neste sentido é oferecida pela Argentina, devido à fragilidade da sua economia e à campanha em curso para as eleições presidenciais deste ano. Por isso, talvez seja urgente mudar a norma que propõe a unanimidade entre todos os integrantes do bloco para concluir acordos. Os governos do Brasil e do Uruguai já sinalizaram que estavam dispostos a avançar mais rápido do que seu parceiro, que, além disso, é um dos sócios fundadores. Não obstante, os países europeus temem também abrir o seu mercado à concorrência da agricultura brasileira (e talvez argentina).

Apesar dos riscos, o Brasil e o Mercosul, de maneira geral, estão cientes de que a abertura é uma questão de sobrevivência, considerando o avanço dos acordos de livre comércio de outros países, como a Aliança do Pacífico ou da Associação Transatlântica entre os Estados Unidos e Europa.

A crise econômica na região, com a redução do preço das matérias-primas, também é um fator que empurrou o bloco sul-americano a adotar uma posição mais firme na busca de novas parcerias internacionais. Esgotada a estratégia de crescimento por mercado, é necessário crescer através das exportações, com o apoio de acordos comerciais, financeiros e técnicos.

César Maia
Diretor da Fundação Liberdade e Cidadania (DEM) e conselheiro da cidade do Rio de Janeiro / Brasil
Deputado Federal Constituinte e prefeito da cidade do Rio de Janeiro por três mandatos (de 1993 a 1997 e de 2001 a 2009). Exilado no Chile durante a ditadura militar do Brasil, formou-se em Economia na Universidade de Chile. Atualmente é o diretor da Fundação Liberdade e Cidadania, do Partido Democratas e representa o partido em assuntos sul-americanos, bem como um observador internacional. É também o vice-presidente da Internacional Democrata de Centro (IDC), uma associação de partidos políticos a que pertencem, entre outros, o PP (Espanha) e a CDU (Alemanha). [Brasil]

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