UNO Novembro 2015

União Europeia – América Latina: cartes sur table

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Aqueles que estão familiarizados com a forma de analisar questões relevantes na França, compreenderão melhor o porquê deste título. A expressão “Cartes sur Table“, que em sua versão inglesa, “Cards on the Table” poderia ser confundida com o famoso romance de Agatha Christie, em francês alcança um significado muito concreto: “definir as intenções, mostrando-se o mais sincero possível”, significa jogar com franqueza, revelar as cartas a fim de ser honesto, de ser claros.

Vamos ser claros. Falar de América Latina a cada dia se torna mais complexo se quisermos descrever algo além de uma denominação geográfica. Distintas realidades políticas, sociais e econômicas tornam cada vez mais difícil abranger a todo o subcontinente americano dentro de uma mesma realidade. Isso representa o primeiro desafio na hora de analisar a visão que a América Latina pode ter sobre a sua relação com a União Europeia ou com  qualquer outro ator econômico ou político do mundo.

Durante este início do século XXI, a América Latina viveu um dos melhores momentos da sua história recente. Depois de ter padecido por anos por causa da dificuldade de assentamento da democracia em muitos países e por profundas crises econômicas que atrasaram o desenvolvimento em muitos de seus territórios, parece que estes receberam a aprendizagem necessária. Se a isto somarmos a bonança que nos últimos anos têm experimentado as matérias-primas, o principal elemento da pauta de exportações da região, não surpreende as cifras de crescimento de mais de 5% ao ano entre 2003 e 2012, de acordo com o Banco Mundial – sempre com grandes assimetrias já que enquanto o Chile poderia crescer 5,6% em 2012, a Venezuela o fez em 1,2%.

Essa situação tornou a região um ponto interessante de se observar. Por um lado, a América Latina poderia converter-se no herdeiro do “Dragão Asiático”. Uma vez que o sudeste asiático atingiu incríveis cotas de desenvolvimento nos últimos anos, a região poderia estar preparada para experimentar seu próprio boom. Por isso, a China começou uma agressiva política de comércio exterior com a América Latina. Se compararmos a tendência das importações na região Ásia/Pacífico, Estados Unidos e a União Europeia, vemos rapidamente que é a primeira que registra o maior crescimento (700%) na década 2000-2010, enquanto que nos Estados Unidos, a balança decresce 34% e na União Europeia, as importações caíram 3,5%. Além disso, em volume, as importações provenientes da Ásia se situaram, pela primeira vez, acima daquelas registradas pela União Europeia[1].

Na década que vai de 2004 a 2014, a UE passou, em geral, de um déficit comercial a um superávit com a região, particularmente significativo no México e no Brasil

Por outro lado, os Estados Unidos durante a administração do presidente Obama, teve um relação mais distante e menos intensa com a região, concentrando-se fundamentalmente nos temas que tem mais impacto dentro de suas fronteiras, como segurança e imigração, por exemplo. Não se pode esquecer que 16% da população americana é de origem latina e que 73% desses eleitores votaram a favor de Obama nas últimas eleições. No entanto, o fato mais importante que pode alterar toda a estratégia dos Estados Unidos na região é a desbloqueio nas relações entre os Estados Unidos e Cuba. A retomada das relações diplomáticas e comerciais com a ilha é, sem dúvida, o ato de mais repercussão do presidente dos EUA na região, que dá por resolvido os últimos vestígios da Guerra Fria e abre um cenário não apenas com Cuba, mas também para a América Latina, uma vez que, em volume, continua a ser o principal ator comercial na região.

Diante deste cenário, como serão marcadas as relações entre a União Europeia (UE) e da Comunidade dos Estados Latino-americanos e caribenhos (CELAC)?, Que tipo de acordos de caráter bilateral existem?, Qual é a situação atual?, Como evoluíram? Estas são questões que devem ser abordadas para entender a extensão da relação e, acima de tudo, as expectativas futuras.

Se tivéssemos que escolher uma palavra para definir a evolução das relações entre a União Europeia e a América Latina, com franqueza, com honestidade, com claridade, nós destacaríamos por “languidez”. Essa é a percepção. Nós não sabemos se mais intensa pelo lado europeu ou pelo da América Latina. Nesta situação estão ambos.

Para entender lânguido, é preciso refletir sobre a acepção da palavra na Real Academia Espanhola da Língua, como “espírito pequeno, de pouco valor, de pouca de energia”. Talvez, também pudéssemos pensar como de pouco interesse. No entanto, quando se analisam  os números da relação Europa-América Latina, a precisão das cifras, embora às vezes estas pareçam tediosas, conduzem a conclusões muito diferentes. Vamos ver.

A União Europeia (UE) é o segundo maior parceiro comercial da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC). Nos últimos dez anos, o comércio entre a UE e a América Latina duplicou, representando mais de 6% do comércio total da UE. Por outro lado, a UE é o maior investidor estrangeiro direto nos países CELAC, com volumes que totalizaram 505,7 bilhões de euros em 2013, o que representa 10,3% dos 4,9 bilhões de euros em investimento direto estrangeiro (IDE) da UE e cerca de 35% do IED recebido pela CELAC. É muito significativo, como dado, que os investimento da UE na CELAC sejam superiores aos realizados pela UE na Rússia, China e Índia, somados todos juntos.

20Do ponto de vista do ranking dos parceiros comerciais da CELAC, a UE ocupa o segundo lugar, empatando com a China e a uma maior distância de seu primeiro partenaire, que, evidentemente, são os Estados Unidos.

Na década que vai de 2004 a 2014, a UE passou, em geral, de um déficit comercial a um superávit com a região, particularmente significativo no México e no Brasil. Algo menor com alguns países da América Central, especialmente Guatemala e El Salvador, embora seja verdade que as relações UE-América Central tenham oscilado no contexto de uma tendência, sem qualquer consistência. No cálculo total do comércio da UE com a região, apenas o Chile, Costa Rica, Panamá e El Salvador, experimentaram um ligeiro declínio.

Do total de importações da CELAC, a UE responde por mais de 14% e 11,5% das suas exportações, destacando o Brasil e o México, seguidos pelo Chile, Argentina, Colômbia e Peru.

Em 2014, a UE exportou bens da CELAC na ordem de 110,6 bilhões de euros, ou 6,5% do total das exportações e importou pelo valor de 98,6 bilhões de euros, 5,9% do total das suas importações. Portanto, o superávit da UE foi de cerca de 12 bilhões de euros. Brasil e México representaram 2% e 1,4%, respectivamente, do total do comércio da UE. As principais exportações da UE para a CELAC foram máquinas, equipamentos de transporte e produtos químicos. Quanto às importações, principalmente, produtos agrícolas e matérias-primas.

Além disso, a UE concluiu acordos comerciais com 26 dos 33 países membros da CELAC.

Com os 15 países do Cariforum (Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, República Dominicana, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia, São Vicente e as Granadinas, Suriname e Trinidad e Tobago), a UE celebrou um Acordo de Cooperação em 2008. Atualmente, é o segundo maior parceiro comercial depois dos Estados Unidos, com um déficit para os Cariforum de 800 milhões de euros. O alcance deste acordo vai além do puramente comercial. Enquanto ele tem um componente muito importante da liberalização do comércio, é certo que seu objetivo é colocar isto a serviço do desenvolvimento, uma vez este que estimula o investimento e o intercâmbio de serviços, promove a fazer negócios em um contexto de livre concorrência, conta com o apoio de fundos europeus e, naturalmente, contribui para uma maior integração dos países da região no contexto da globalização. A terceira reunião do Conselho Conjunto UE-Cariforum, realizada em Georgetown (Guiana), em 16 de Julho, registrou os progressos no acordo entre ambos e o grande potencial do mesmo para contribuir para o desenvolvimento sustentável dos Estados-Membros do Cariforum.

Os países da América Central (Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e Panamá), desde dezembro de 2013, têm um Acordo de Associação com a UE que contém um importante pilar comercial. Este acordo propôs um passo significativo nas relações entre as duas regiões e, claro, deve contribuir para o estabelecimento de relações empresariais e de investimento mais estáveis entre eles, para o aumento dos benefícios diretos para seus cidadãos, bem como para impulsionar o desenvolvimento sustentável. Mas, acima de tudo, o dito acordo deve ser um elemento fundamental no processo de integração política na América Central e, portanto, para a estabilidade e segurança da região.

Dos quatro países que compõem a Comunidade Andina (Bolívia – que recentemente assinou o protocolo de adesão ao Mercosul –, Colômbia, Equador e Peru), Colômbia e Peru têm um Acordo Comercial com a UE que entrou em vigor em 2013. De seu lado, Equador, concluiu em 2014 a sua entrada neste acordo multilateral. Em 2014, os fluxos comerciais entre a UE e a Colômbia atingiram a cifra de 14,5 bilhões de euros (6,4 bilhões de euros em exportações e 8,1 bilhões de euros de importações. No caso do Peru, o montante foi de 8,1 bilhões de euros (3,2 bilhões de euros para as exportações e 4,9 bilhões em euros). Todavia, é prematuro tirar conclusões sobre o impacto do acordo, devido ao fato de, como aponta a Comissão Europeia em seu relatório de 4 de Dezembro 2014 sobre suas aplicações que não se dispõe de determinados dados e números. Do mesmo modo, é preciso transcorrer algum tempo antes que os operadores econômicos se adaptem, a fim de beneficiarem-se plenamente das novas possibilidades comerciais oferecidas por este acordo.

O Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela e agora, praticamente, Bolívia) é um gigante adormecido, que por não construir consensos, não aproveita o poder concedido por ser a quarta maior economia do mundo, depois da UE, NAFTA e ASEAN, com um PIB total de 2,6 bilhões de euros, em 2014. A UE é o seu maior parceiro comercial, respondendo por 20% do total do comércio do Mercosul e na União Europeia, o Mercosul ocupa o sexto lugar, o que representa 2,8% do comércio total da mesma. Há negociações desde 1999 para a celebração de um Acordo de Associação com a União Europeia que, após a última Cúpula dos países do Mercosul, realizada em Brasília em 17 de Julho, decidiu promover, a fim de chegar à conclusão no menor prazo possível, um Acordo ambicioso e equilibrado. É preciso destacar que este é o terceiro maior acordo em processo, depois dos EUA e Japão.

Conscientes da fragmentação regional, outras abordagens estão sendo adotadas em diferentes velocidades. Merecem menção especial o Brasil, México e Chile. Os dois primeiros são considerados parceiros estratégicos da UE e o terceiro tem um Acordo de Associação, que entrou em vigor em 2003 e que agora o Chile, como é o caso com o Acordo Global México-UE, quer modernizar. Por outro lado, estão avançando notavelmente a supressão de vistos de entrada na UE para os países do Caribe, bem como para a Colômbia e o Peru. Da mesma forma, Bruxelas e Brasil estão discutindo planos para instalar um cabo de comunicação submarino Lisboa-Fortaleza, a fim de reduzir a dependência dos Estados Unidos em matéria de telecomunicações.

Pelas tradicionais relações entre a União Europeia e a América Latina, segue existindo uma ampla oportunidade de estreitar laços sólidos aproveitando sinergias estabelecidas

A importância do Brasil para a UE e o México, ficou claro na recente Cúpula UE-México (Bruxelas, 12 de junho, 2015) com a presença de Enrique Peña Nieto, bem como na Cúpula CELAC UE (Bruxelas 10 e 11 junho 2015), com a presença de Dilma Roussef, na qual tentaram dar foco sobre a região para compensar, de alguma forma, os US$ 250 bilhões de dólares que a China prometeu investir nos próximos dez anos. De alguma forma, a consolidação da Aliança do Pacífico, da qual fazem parte Chile, Colômbia, Peru e México, denota a visão que estão tendo alguns dos líderes dos países da região sobre onde pode estar o futuro.

Juntas, a UE e CELAC reúnem 61 países, ou seja, quase um terço dos membros das Nações Unidas, oito deles membros do G20 e, no total, agrupam mais de 1 bilhão de pessoas, ou seja, 15,5% da população mundial.

Os dados econômicos e sua evolução desde 1999, mesmo durante uma crise financeira devastadora, oferecem um resultado impressionante em comparação àqueles que, tanto por parte da UE como da CELAC, contemplam de maneira distante, e quiçá pouco realista, a singularidade de sua relação.

Pelas tradicionais relações entre a União Europeia e a América Latina, segue existindo uma ampla oportunidade de estreitar laços sólidos aproveitando sinergias estabelecidas para tentar perseguir um modelo diferente que está sendo proposto pela China. Na medida em que a União Europeia puder ultrapassar o modelo chinês de importação de matérias-primas e adotar um modelo relacional, mais baseado na partilha de conhecimento para desenvolver processos de produção mais equilibrados, que extrapolem o modelo de exportação de matérias-primas e importação de produtos terminados, abre-se não apenas a possibilidade de melhorar as relações entre América Latina e a Europa, mas também a criação de novos mercados mais desenvolvidos, que permitam melhorar as balanças comerciais dos dois lados do Atlântico.

Por tudo isso, é hora de colocar  “cartes sur table” para avaliar, em sua justa perspectiva, a importância das relações UE-CELAC, com o objetivo de potencializá-las. É preciso trabalhar nessa direção, com mais energia, tendo claro que ambas as regiões, se atuam conjuntamente, podem conseguir, no complexo contexto da globalização com o propósito de oferecer aos seus cidadãos um grande espaço compartilhado de estabilidade e progresso.

[1] Fonte: CEPAL, Panorama da Inserção Internacional da América Latina e Caribe 2010-2011.

Javier Rosado
Sócio e diretor geral da LLORENTE & CUENCA Panamá / Panamá
É sócio e diretor-geral da LLORENTE & CUENCA Panamá, operação que conduz há sete anos com vasta experiência em América Central. Dentro do Grupo Companhia Espanhola de Petróleos, S.A.U. (CEPSA), foi diretor de comunicação da Refinaria Gibraltar-San Roque – umas das maiores da Europa e a maior da Espanha –, diretor de Comunicação da Petresa e Interquisa, e da NGS (joint venture entre a CEPSA e União Fenosa). Antes disso, Javier trabalhou durante quatro anos para a Editorial Planeta. Mestre em Gestão de Comunicação Empresarial (Universidade de Navarra e IESE) e Bacharel em Ciência da Informação (Universidade de Navarra). [Espanha]
José Isaías Rodríguez
Conselheiro sênior da LLORENTE & CUENCA
É conselheiro sênior da LLORENTE & CUENCA. Iniciou sua carreira na Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) como diretor adjunto do Departamento de Comunidades Europeias. Durante 25 anos, foi diretor da delegação da CEOE em Bruxelas, cargo com o qual representou os interesses das empresas espanholas perante as instituições europeias e a BUSINESSEUROPE. Posteriormente e durante dois anos foi vice-secretário-geral da CEOE. Foi durante 24 anos conselheiro do Comitê Econômico e Social Europeu e vice-presidente do Grupo Empleadores. José Isaías é também patrono da Fundação ADECCO. [Espanha].

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