UNO Janeiro 2016

O impacto dos processos judiciais na reputação. Aspectos legais

014_2Os processos judiciais podem ter um enorme impacto negativo sobre a reputação das pessoas, que se vê amplificado pelo poder das novas tecnologias. Como é possível proteger a reputação de uma pessoa sob o marco de um processo judicial a partir de uma perspectiva legal?

Já antecipamos que a resposta será condicionada pela veracidade das informações. Não é possível dar o mesmo tratamento legal a uma crise reputacional gerada por uma ação judicial relativa a fatos que claramente constituem um delito do que outro, baseado em suposição, cujos os fatos não são certos. Se uma pessoa cometeu um delito, terá de assumir alguns efeitos colaterais que, indefectivelmente, poderão fazer com que sua reputação seja manchada.

A honra é um direito constitucionalmente protegido pelo artigo 18 da Constituição Espanhola. Com relação ao termo disposto na Lei sobre proteção civil de direito à honra, à intimidade pessoal e familiar e à própria imagem, é considerado interferência ilícita “a imputação de fatos ou a expressão de juízos de valor por meio de ações ou expressões que, de qualquer forma, causem dano a dignidade de outra pessoa, prejudicando a sua reputação ou atacando a sua própria estima“.

O requisito da veracidade não exige uma rigorosa e total exatidão no conteúdo das informações, mas que os “fatos” tenham sido objeto de prévio em contraste com dados objetivos, através de um trabalho de investigação

A honra é um conceito não delimitado legalmente e, portanto e consequentemente, juridicamente indeterminado e com claras conotações sociais. A jurisprudência estabeleceu que a honra pode ser definida como a boa reputação que, como fama e mesmo a honra, consiste na opinião que a sociedade tem de uma pessoa. Considera-se que o denominador comum de todos os ataques ou intromissões ilegítimas no âmbito da proteção deste direito é o desmerecimento da consideração alheia. Nossos tribunais têm salientado, em repetidas ocasiões, que a reputação profissional se insere no âmbito da proteção do direito à honra, como um aspecto intimamente ligado à dignidade da pessoa. O Tribunal Constitucional também reconheceu, de maneira expressa, a titularidade do direito à honra por parte de pessoas jurídicas.

Em casos de colisão entre direitos fundamentais de igual valor e importância – como é o que ocorre entre o direito à informação e a liberdade de imprensa, por um lado, e o direito à honra, à intimidade e à própria imagem, por outro – serão os tribunais que, caso a caso e atendendo às circunstâncias concretas, irão determinar que direito deve prevalecer. À luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o direito à informação prevalecerá unicamente quando a informação for de interesse geral e verdadeira.

O Tribunal Constitucional considera que cumpre a exigência da veracidade quando, mesmo que a informação seja objetivamente falsa, o meio de comunicação acredite ter cumprido com o devido dever de diligência na comprovação da notícia. Portanto, o requisito da veracidade não exige uma rigorosa e total exatidão no conteúdo das informações, mas que os “fatos” tenham sido objeto de prévio contraste com dados objetivos, através de um trabalho de investigação. Neste sentido, apenas seria claramente ilegal por negligência a publicação de fatos baseados em simples rumores, desprovido de quaisquer constatação, ou meras invenções ou insinuações, sem verificar a sua realidade por meio de oportunas averiguações. Tudo isso sem prejuízo de que sua total exatidão pode ser controversa ou que se incorra em erros circunstanciais que não afetam a essência da informação fornecida. Por conseguinte, a jurisprudência considera que prevalece o direito à informação, embora a notícia seja falsa ou incorra em erros, se o meio foi diligente em sua comprovação .

014_1Portanto, os jornalistas não têm responsabilidade objetiva. Se um meio de comunicação difunde uma notícia falsa e causa um dano, basta que tenha contrastado sua verossimilhança para que desapareça qualquer resquício de responsabilidade. Mas o que acontece se a vítima foi injustamente acusada, por exemplo, de abusos sexuais, de evasão fiscal ou de um assassinato sem ser certo? Ninguém assume a responsabilidade por uma diminuição tão clara do direito constitucional à honra? Cada vez que escrevo sobre este assunto não posso deixar de pensar em casos como o de Dolores Vázquez, que foi condenada pelo assassinato de Rocío Wannikhof por um júri popular. O Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia teve de intervir para anular a sentença e absolve-la diante de um grave erro, passados mais de 17 meses de prisão e após sofrer o desprezo dos meios de comunicação. Dolores Vázquez recorreu a uma compensação econômica do Estado Espanhol, que foi recentemente negada pelo Supremo Tribunal.

Por outro lado, como Tribunal Constitucional reiterou, a liberdade de expressão não é apenas a expressão de pensamentos e ideias, mas compreende a crítica do comportamento do outro, mesmo que possa incomodar ou desagradar aquele contra quem se dirige, pois assim exigem o pluralismo, a tolerância e o espírito de abertura. No entanto, a proteção do direito à honra deve prevalecer sobre a liberdade de expressão quando empregam-se frases e expressões ultrajantes ou ofensivas utilizadas, sem relação com as ideias e opiniões que são expostas, dado que a Constituição Espanhola não reconhece um pretendido direito ao insulto .

Do mesmo modo, de acordo com a legislação espanhola, a captação, reprodução ou publicação em um evento em lugares abertos, de pessoas que exercem um cargo público ou uma profissão de notoriedade ou projeção pública, que não constitui uma intromissão em seu direito à própria imagem. Essa exceção faz com que muitas pessoas notórias ​​tenham que aceitar que sua imagem seja divulgada sem o seu consentimento. Embora a exceção legal se refira unicamente a pessoas que exercem funções públicas ou profissão de notoriedade, algumas sentenças interpretaram de maneira ampla esta expressão e pessoas que dispõem de notoriedade por sua transcendência econômica ou por sua relação social foram incluídas. Ou seja, esta exceção pode incluir empresários ou altos executivos.

Consequentemente, diante de uma crise de reputação causada por um processo judicial, não será aconselhável, em geral, o exercício de ações legais, exceto quando a informação padeça de falta de veracidade ou seja insultante. Em todos os outros casos, o inquérito ou o acusado será submetido ao escrutínio dos meios de comunicação e da sociedade e deverá suporta-lo, por mais que sua reputação seja manchada. E isto porque as sentenças e os processos judiciais não apenas podem ser revisados por órgãos judiciais, mas também porque as sentenças têm que ser submetidas ao julgamento dos meios de comunicação e à sociedade em geral. O próprio Artigo 24 da Constituição Espanhola reconhece como um direito fundamental o direito a um julgamento público.

Como ficou evidenciado pelo famoso juiz Felix Frankfurter do Supremo Tribunal dos Estados Unidos na década de 50, “uma das exigências da sociedade democrática é que o público saiba o que está acontecendo nos Tribunais e saiba por meio da imprensa, para que o referido público possa julgar se o nosso sistema de justiça é justo e adequado à lei”. À imprensa foram unidos inúmeras mídias, como blogs ou tweets, que também estão amparados pelo direito à informação.

A chave, portanto, reside no mesmo conceito de “interesse geral”: os cidadãos têm o direito de conhecer não só o destino que é dado aos fundos provenientes do erário público, mas também as infrações cometidas pelas empresas e seus executivos.

Diante de uma crise reputacional gerada por um processo judicial, só será aconselhável o exercício de ações de se a informação não é verdadeira ou é insultante

São muitas as vozes que clamam pelo fim dos “julgamentos paralelos” para evitar a chamada “pena do telejornal” e que vê prejudicado o direito de defesa e a um julgamento justo. Como afirmou o magistrado da Audiência Nacional, Javier Gomez Bermúdez, “o problema básico dos julgamentos paralelos é que estes se encontram no mesmo plano que o processo judicial e a informação jornalística”. Por meio dos julgamentos paralelos, os meios de comunicação, baseando-se muitas vezes em especulações, condenam e absolvem publicamente a cidadãos; e o que é pior, em alguns casos, contribuem para influenciar decisões judiciais. E, ao mesmo tempo em julgamentos paralelos seguem um procedimento, há garantias e estão representadas todas as partes, nos julgamentos paralelos, realizados pelos meios de comunicação nem sempre essas garantias são dadas, ao mesmo tempo em que são fornecidas informações tendenciosas e partidárias dos fatos.

Quando uma informação transmitida por um meio de comunicação pode causar uma violação dos direitos e interesses legítimos de uma pessoa, esta tem o direito de que esse dado seja retificado. O direito de retificação está limitado a possibilitar a correção de determinadas informações pela pessoa que se sente afetada e que a considera imprecisa e prejudicial. Não cabe, portanto, reclamar mais do que a publicação da versão de quem se vê afetado pelos fatos, ficando excluída a possibilidade de solicitar, por exemplo, uma indenização por eventuais danos e prejuízos.

O diretor do meio de comunicação tem a obrigação, em um prazo de três dias, de publicar integralmente a retificação, dando-lhe uma importância semelhante àquela que foi publicada ou difundindo a notícia, evitando comentários ou notas, de forma gratuita.

Existe, na garantia do exercício do direito de retificação, um procedimento judicial urgente e sumário para a exigir a publicação da correção, caso este não tenha sido realizado voluntariamente no prazo legal ou tenha sido rejeitado pelo diretor do meio de comunicação social requerido para esta finalidade. Em todo caso, antes de tomar ações legais, é preciso avaliar, entre outras, as seguintes considerações:

  1. O atraso no cumprimento das reivindicações: No ano de 2003, o Código de Processo Civil sofreu uma modificação que fez com que aquelas pessoas que recorrem aos tribunais em um processo civil para denunciar uma ingerência em seus direitos constitucionais com relação à honra, à intimidade ou à própria imagem tenham de esperar uma média de mais de quatro anos até ver suas reivindicações solucionadas. Por outro lado, a Lei Orgânica de 1982 permite adotar todas as medidas necessárias para impedir a intromissão ilegal. No entanto, na prática, sua adoção é excepcional, uma vez que esta pode colidir com o direito à informação e à liberdade de expressão. Por isso, as chances de solicitar com êxito as medidas cautelares neste caso são reduzidas.
  2. O impacto midiático sobre as ações legais: A interposição de ações judiciais em defesa dos direitos à honra, à privacidade e à própria imagem têm, em muitos casos, efeitos contraproducentes, à medida em que podem dotar de atualidade uma intromissão que poderia ter caído no esquecimento. Além disso, o prolongamento excessivo dos procedimentos judiciais que quando, anos depois da interposição da demanda, finalmente se determinar o fim da sentença, a mídia volte a recuperar a notícia, outorgando-lhe renovada importância e publicidade.
  3. Insuficiência da indenização: Outro fator que dificulta a tutela judicial efetiva é a insuficiência das indenizações impostas aos condenados. Esta tendência mudou desde a intervenção do Tribunal Constitucional em casos como o de Isabel Preysler e Alberto Alcocer. Ao final, após mais de dez anos de pleitos, o Supremo Tribunal condenou o veículo de comunicação a pagar a Alberto a quantia de duzentos euros. Felizmente, o Constitucional interveio pela concessão, outorgando o amparo a Alberto Alcocer, e criticando duramente o Supremo por rebaixar de 120 mil para 200 euros a indenização previamente estabelecida pelo pela Audiência Provincial de Madri. Na Espanha, ao contrário de EUA e do Reino Unido, as indenizações não têm caráter punitivo; sua finalidade é destinada a reparar o dano causado à vítima.

Em suma, diante de uma crise reputacional gerada por um processo judicial, só será aconselhável o exercício de ações se a informação não é verdadeira ou é insultante. Se a informação é verdadeira apenas em seu transcurso do tempo é permitido, em alguns casos, pode permitir o exercício do direito ao esquecimento, com base nas regras de proteção de caráter pessoal. O direito ao esquecimento permite eliminar os resultados das ferramentas de busca aquelas informações que, ainda que verdadeiras, deixaram de ter interesse para o público em geral, embora já saibamos o provérbio espanhol “difama, que algo ficará”.

Carolina Pina
Sócia do escritório de Propriedade Industrial e Intelectual e corresponsável pela indústria de Media & Telecom no Escritório de Advocacia Garrigues
Licenciada em Direito pela Universidade de Alicante, Mestre em Direito Internacional e Direito Comparado pela City of London Polytechnic, de Londres e pós-graduada em Gestão de Assuntos Públicos pelo ICADE. Recebeu o título de Agente da Propriedade Industrial. Desde 1997 trabalha no Departamento de Propriedade Industrial e Intelectual do escritório de advocacia Garrigues, onde foi nomeada sócia em 2005. Ganhou o Prêmio Internacional Prix Monique da União Internacional dos Advogados (UIA) em 2009. Autora de vários livros sobre direitos de mídia e esportes. Foi recomendada pelos ranking Legal 500 e Chambers em Propriedade Intelectual, Marcas, Esportes, Tecnologia da Informação e Meios de Comunicação. [Espanha]

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