UNO Maio 2016

Transformação digital na administração pública

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Em fevereiro de 2015, o então presidente do governo afirmou que “a administração do futuro será digital ou simplesmente não existirá”. Embora a frase possa parecer uma obviedade, ela conduz a uma interpretação ou a uma ameaça. Vamos desmoronar.

A ADMINISTRAÇÃO DO FUTURO

Dizer que devemos esperar o futuro para conhecer a administração digital equivale a reconhecer que a administração não cumpre com as normas vigentes, pelo menos desde a data de entrada em vigor da Lei 11/2007, de acesso eletrônico dos cidadãos aos serviços públicos .

A Lei 11/2007 reconhece aos cidadãos o direito de interagir eletronicamente com as administrações públicas, assim como a obrigação destas de garantir esse direito. No momento de sua aprovação, chegou-se a dizer que esse foi a primeiro novo direito concedido após a Constituição.

Embora reconhecendo progressos substanciais no desenvolvimento da administração eletrônica, o fato é que esse direito não tem sido eficaz. No momento em que quase qualquer cidadão adquiriu a rotina de consumir informação de forma digital, a experiência do processo eletrônico se limita a algumas formalidades. Experiências bem-sucedidas vêm das mãos de alguns processos bem desenhados, mas, acima de tudo, dos casos em que o canal digital é obrigatório.

A mudança consiste, precisamente, em redesenhar todos os processos de serviços, a partir das necessidades e da experiência dos usuários, em um estado de constante adaptação

Curiosamente, o maior avanço não ocorreu no processamento interno. Em fevereiro de 2016, pudemos assistir à oposição do ministro da Justiça, debatendo para conseguir não renunciar ao sistema de comunicações eletrônicas na Justiça, chamado Lexnet. As resistências são formidáveis.

A ADMINISTRAÇÃO SERÁ DIGITAL

A Lei 11/2007 perderá vigência em outubro deste ano, graças à entrada em vigor de duas novas leis: a Lei 39/2015, do Procedimento Administrativo Comum das Administrações Públicas e a Lei 40/2015, sobre o Regime Jurídico do Setor Público. Além disso, se aprovou o Plano de Transformação Digital da Administração Geral do Estado e seus Organismos Públicos, que vem acompanhado por outros planos regionais e locais. Vale renovar, então, o nosso otimismo.

Há um par de boas ideias na nova abordagem:

  • Associar os meios eletrônicos ao procedimento comum, à rotina administrativa;
  • Reconhecer que o desafio é a transformação, a mudança, não a tecnologia.

Acho interessante que esse Plano de Transformação Digital traga, como primeiro de seus princípios, a “orientação ao usuário”, uma vez que a mudança consiste, precisamente, em redesenhar todos os processos de serviços, a partir das necessidades e da experiência dos usuários, em um estado de constante adaptação.

O plano está estruturado em torno de cinco objetivos estratégicos, três dos quais são internos:

  • Aumento da produtividade e da eficiência no funcionamento interno da administração.
  • Alcançar maior eficiência nos serviços comuns de TIC na administração.
  • Implementar uma Gestão Corporativa Inteligente de Informação e de Dados.

Em minha opinião, estamos no caminho certo no que diz respeito aos dois primeiros, embora com alguns contratempos que deveriam servir para aprender e corrigir. Em vez disso, o terceiro objetivo parece relativamente novo.

De fato, a gestão dos ativos de informação é a grande assinatura pendente na governança de TIC da administração pública. Até agora, não foi bem entendido que os dados são uma matéria-prima valiosa tanto para a boa tomada de decisão como para a reutilização por parte da sociedade. A primeira tarefa consiste em entender que informação é gerada e para que fins, como base para a gestão de dados que se alinha com os objetivos das diversas políticas públicas.

A chave é não ter a melhor sede eletrônica, nem o certificado de assinatura da empresa mais reconhecida, nem vídeos explicativos do processo, mas a experiência do usuário ser mais satisfatória

A ADMINISTRAÇÃO, SIMPLESMENTE, não será

Ao lado das metas mais internas, o Plano de Transformação Digital contém dois objetivos com maior dimensão externa. Isto é o mais importante:

015_1“Aprofundar na transformação digital das administrações públicas, convertendo o canal digital na preferência da relação dos cidadãos e empresas com a administração, assim como o meio idôneo para que os funcionários públicos executem suas tarefas, melhorando assim a qualidade dos serviços prestados àqueles e a transparência no funcionamento interno desta.”

Este seria um superobjetivo, que engloba os outros quatro e alinha-se com os fins últimos de ser o canal preferencial de cidadania, em um contexto de qualidade e transparência. Como podemos imaginar uma transformação digital que esteja à altura desse objetivo? Felizmente, temos muitos casos fora da administração que podem nos servir como exemplo.

Hoje mesmo tive de reservar um voo. Para isso, digitei no motor de busca do Google “voo Bilbao Barcelona”. O próprio navegador me deu um espaço interativo onde eu poderia selecionar meu voo, a partir dos horários e preços de cada companhia área. Com um clique, passei a comprar o voo. Ao concluir, descobri que, em meu calendário já havia meu voo e o hotel, porque meu e-mail e meu calendário se inter-relacionam automaticamente.

Pois bem, é o que nós pedimos da administração digital, para que torne nosso canal de preferência. A chave é não ter a melhor sede eletrônica, nem o certificado de assinatura da empresa mais reconhecida, nem vídeos explicativos do processo, mas a experiência do usuário ser mais satisfatória. E tenho medo de que o caso dos procedimentos públicos seja comparável aos árbitros de futebol: melhor quando menos perceptíveis.

Para alcançar esse objetivo, a maior parte do esforço é interna. As administrações devem se acostumar a conceber seus serviços em cooperação mútua, até alcançar o feito de que qualquer unidade administrativa funcione como uma filial de uma entidade maior. O desafio da interoperabilidade é fundamental.

Portanto, talvez a frase de Rajoy seja premonitória: a administração digital, simplesmente não será. Se fizermos as coisas direito, vamos desfrutar sem necessidade de conhecê-la.

Alberto Ortiz
Fundador da Alorza.net e Especialista sênior do Banco Mundial
Fundador da Alorza.net, plataforma de consultoria em gestão pública. Especialista sênior do Banco Mundial em governo aberto, liderou projetos em matéria de dados no Peru, República Dominicana, Jalisco, Colômbia e Cidade do México. Como diretor de Atenção Cidadã no governo basco, lançou o Open Data Euskadi, a primeira iniciativa de dados abertos anglo-saxã no mundo. É conferencista, professor e escritor.

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