UNO Setembro 2016

Cuba: De Fidel a Chanel

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Introdução

Que o leitor não se equivoque. Cultivo em meus escritos a objetividade possível, e o título deste artigo tenta refletir, fazendo uma síntese, a complexidade de um processo que dificilmente conseguirá ser desprovido de subjetividades e jamais poderá ser julgado com imparcialidade. Envolve, como em todo processo revolucionário sério, muitas vidas e muitas mortes.

Toda a recente história cubana (pouco mais de meio século) é uma profusão de paixões tropicais, ou melhor, caribenhas, montadas sobre um substrato de ardor espanhol, mesclado com voluptuosidade africana.

Vejamos três períodos. 

O período heroico (La Sierra Maestra)

Na introdução, que inclui uma pequena autobiografia, de sua maior obra literária – A vitória estratégica –, escreve Fidel Castro: “Nos anos 40 havia surgido fortemente o anticomunismo, plantio de reflexos e controle das mentes pelos meios de comunicação de massa. Foram criadas as bases para a dominação militar e política do mundo. Muito pouco restava em nossa alta casa de estudos do espírito revolucionário dos anos 30”.

Quando alguns, mais cedo ou mais tarde, abastecidos com armas como na Colômbia (apesar da autenticidade de Camilo Torres e outros) tornam-se guardiões do tráfico de drogas, a lenda termina

“Muda, tudo muda” e muda ainda mais e mais rapidamente no decorrer do dia.

No terceiro capítulo do mencionado livro, afirma: “Há coisas que nem os déspotas ou seus asseclas podem entender. Não é o mesmo lutar por salários, alugar uma pessoa a um tirano miserável, carregar um fuzil por um pagamento como um vil mercenário que ser soldado de um ideal patriótico”. E acrescenta: “Ao homem de ideal, a vida não lhe importa, porque lhe importa o ideal: não cobra salário, suporta, de bom grado, todos os sacrifícios que lhe impõe uma causa que tenha abraçado desinteressadamente… O ideal é uma forma superior de vida em (na qual) a morte individual não conta”.

Esse homem de ideal (desses ideais) é uma espécie em extinção. Os últimos heroicos guerrilheiros foram os cubanos. Quando alguns, mais cedo ou mais tarde abastecidos com armas, como na Colômbia, apesar da autenticidade de Camilo Torres e outros, tornaram-se guardiões do tráfico de drogas, a lenda termina, mas subsiste nas gerações do século passado o mito de Che Guevara, banalizado, não por causa de fundamentos ideológicos, mas transformando em produto comercializável. 

013_1O período especial (o fim do apoio da União Soviética)

Difícil, muito difícil foi para os cubanos o chamado período especial. Tudo em escassez. Os “crentes” viveram alimentados por sua mística, sustentados por seu senso de dignidade. O ressentimento do Chefe contra os “gringos” vinha de longe e havia sido plantado com fibra no coração dos cubanos.

Em carta a Celia, depois de um bombardeio na casa do agricultor Mario Sariol, com foguetes com a inscrição Made in USA, Castro escreveu: “Vendo os foguetes lançados na casa de Mario, jurei que os (norte) americanos vão pagar caro pelo que estão fazendo. Quando esta guerra acabar, começará para mim uma guerra muito mais longa e árdua: a guerra que farei contra eles. Eu percebo (que) este será meu verdadeiro destino”.

Gallego determinado, Fidel iniciou sua longa guerra, mas o antigo império que o apoiava desmoronou, e, de repente, se viu obrigado a enfrentar sozinho os moinhos de vento.

Seu povo, como um bom Sancho, em sua maioria, o acompanhou e diante de cada problema inventou o “resolve-se” ou procurou um “parceiro-esperto” entre os socialistas. O esforço não foi suficiente. A Venezuela tampouco pôde manter seu papel de irmão generoso com a revolução “e nisso veio Raúl… e ordenou parar”. 

Por isso, enquanto Miami transborda anseios, Obama reconhece a inutilidade do bloqueio e a oportunidade que surge, com bênção papal incluída, para a abertura em relação a Cuba. O que parecia impossível acontece

O atual período (o realismo prático de Obama)

Apesar do enorme sofrimento causado, o bloqueio imposto pelos Estados Unidos nunca fez com que Cuba se curvasse ao regime, pelo menos, sua retórica anti-imperialista.

Por isso, enquanto Miami transborda anseios, Obama reconhece a inutilidade do bloqueio e a oportunidade que surge, com bênção papal incluída, para a abertura em relação a Cuba. O que parecia impossível acontece.

Então, Karl Lagerfeld, diretor da Chanel, sustenta sua presença em Cuba, com o peso midiático adquirido por Havana, e “por causa da riqueza cultural e da abertura do país para o mundo, a tornam fonte de inspiração”. Converte a ilha no primeiro destino da América Latina de sua prestigiada casa de alta costura e contribui para a relativização da pobreza, tornando-a palco para exibir uma das maiores manifestações contemporâneas de luxo, mas também de sofisticação da cultura, a qual Havana nunca foi imune: a moda.

Tampouco, por razões semelhantes, é de surpreender que o “Malecón” de Havana esteja prestes a ser povoado por cruzeiros de todas as bandeiras, e suas docas, a receber músicos de todos os continentes e todos os ritmos. Cuba sempre foi e continuará a ser uma das capitais mundiais da criação musical. E um dos destinos favoritos para os espanhóis, que nunca deixaram de estar por lá.

Francisco Huerta
Subdiretor do jornal diário Expreso de Guayaquil /Equador
É vice-diretor do Expresso, de Guayaquil. Além disso, é presidente do Conselho Consultivo da Universidade Casa Grande e assessor da Confederação de Bairros do Equador

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