UNO Agosto 2013

1982-2012: A América Latina 30 anos depois

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O ano de 1982 foi muito importante na América Latina e ainda está presente no imaginário coletivo da Região. Naquele ano, o México anunciou que não poderia continuar pagando sua imensa dívida externa, o que gerou um efeito dominó na Região chamado de “efeito tequila”, que atingiu praticamente todos os demais países. E esse episódio foi o detonante do que ainda é conhecido como “a década perdida”. Embora o momento chave tenha sido agosto de 1982, a década perdida estendeu-se ao longo de toda a década de 80. Quando eram comparadas as rendas per capita dos países o que se observava era que, poucas exceções como o Chile, a Colômbia ou a República Dominicana, conseguiram alguma melhora, a maior parte dos países da Região tinha rendas per capita menores no final da década do que no começo. Na Venezuela, no Peru ou na Nicarágua a queda acumulada era de mais de 30%, na Argentina ou no Haiti era de mais de 20%, e na Região, em seu conjunto, era de mais de 10%.

Por outro lado, ao não pagar a dívida, os países da Região ficaram fora do sistema financeiro internacional e foram muitos os esforços e o tempo dedicado ao seu refinanciamento e, com isso, ao “retorno” desses díscolos países à “ortodoxia” internacional. Enquanto tentava-se resolver esse problema, muitos países vivenciavam os piores episódios de hiperinflação de sua história. E isso não deve nos surpreender. Devido à ruptura com o sistema financeiro internacional, os países incapazes de reduzir significativamente seus déficits fiscais concluíram que a única opção para financiar esses déficits era imprimir dinheiro. E a Região não conseguiu livrar-se desses episódios de hiperinflação até boa parte da década de 90.

A grande abertura da Região acontece nos anos 90, quando são reduzidas as medidas protecionistas e se produz uma abertura comercial e de investimentos

Mas, além disso, em 1982 a América Latina ainda tentava desfazer-se das ditaduras militares que tinham sido a norma, mais que a exceção, durante os anos 70. A Argentina, o Chile, o Brasil, o Paraguai, o Haiti ou o Panamá ainda contavam com governos militares naquele ano.

08E em termos de política econômica, a Região continuava firmemente presa a um modelo protecionista que olhava muito mais para dentro do que para o resto do mundo. Havia alguma exceção, mas a grande maioria dos países mantinha quase intacta uma estrutura de tarifas muito altas, que tinha dado alguns resultados positivos no passado, mas que precisava adaptar-se para favorecer uma maior competitividade e eficiência. A grande abertura da Região acontece nos anos 90, quando são reduzidas as medidas protecionistas e se produz uma abertura comercial e de investimentos que era muito mais limitada até então.
Caso seja medido o “grau de abertura” das economias como o resultado da soma das exportações mais as importações sobre o PIB de um país, podemos ver de que forma entre 1990 e 2005 se produziu uma grande abertura das economias latino-americanas. Assim, por exemplo, e apesar de que o curso da abertura ainda não tenha terminado, a Argentina passou de um grau de abertura de 15% em 1990 a um de 44% em 2005. No mesmo período o Brasil passou de 15 a 29%, e o México de 39 a 62%. E nesse caso, a América Latina coincide no tempo de seu processo de abertura com países de outras regiões do mundo, como a Índia, que passa de 16 a 45% depois do começo de seu processo de reformas em 1991 e 1992, a Rússia, que em sua transição aumenta sua abertura de 36 a 57%, ou inclusive a China, que já tinha começado timidamente seu processo de abertura no fim dos anos 70, que passa de 35 a 69%.

E esses processos de abertura e maior integração na economia global foram cruciais no reconhecimento da importância das “economias emergentes”, que sem dúvida estão mudando o mundo de uma forma importante. Sabemos que a realidade econômica de hoje é muito diferente da realidade de 3 décadas atrás, naquele momento amplamente dominada pelas economias de alta renda da América do Norte, da Europa Ocidental, do Japão da Austrália e da Nova Zelândia. Hoje, o mundo é muito mais complexo, com a Ásia emergente recebendo a maior atenção, mas com um reconhecimento cada vez maior a outras regiões do mundo, como a América Latina, a Europa do Este ou, como muitos já dizem, uma África emergente que provavelmente dê muito o que falar nos próximos anos.

A América Latina enfrenta desafios importantes, como alcançar um crescimento econômico que chegue a amplos setores da população e continuar fortalecendo as instituições e a democracia

E nessa realidade mais complexa, a América Latina tem um lugar muito importante. Ganhou, com todo merecimento, um lugar privilegiado entre as economias emergentes e enfrenta o futuro de forma muito diferente de 30 anos atrás, com políticas fiscais e monetárias prudentes, novamente na maioria dos casos, e com mais segurança na capacidade de suas sociedades jovens e suas instituições, agora mais maduras, de levar a seus países um futuro melhor. É claro que a Região enfrenta desafios importantes, como alcançar um crescimento econômico que chegue a amplos setores da população, diminuindo as enormes desigualdades, ou continuar fortalecendo as instituições e a democracia, para mencionar duas. Mas tudo parece indicar que, embora existam diferenças internas, a Região agora está muito mais bem preparada para enfrentar o futuro do que estava naquele longínquo ano de 1982.

Gonzalo Garland
Vice-presidente de Desenvolvimento do IE Business School
Vice-presidente de Desenvolvimento do IE Business School em Madrid (Espanha), bem como membro do Comitê Executivo. Anteriormente, desempenhou a função de Diretor de Relações Internacionais; Diretor do Conselho de Professores e Diretor da Área de Entorno Económico. Estudou Economia na Universidad del Pacífico, em Lima (Peru), e nas Universidades de Stanford e Pensilvânia, nos Estados Unidos. Atualmente, concilia suas funções de direção com a realização de cursos de Economia e Análise de Países.

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