UNO Agosto 2013

UE-MERCOSUL: a profundidade estratégica de um Acordo

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O futuro da América Latina passa pelas políticas de integração regional, das quais o MERCOSUL é o expoente mais ambicioso e avançado. A aposta da Europa na América Latina não será confiável ou viável sem um Acordo de Associação com o MERCOSUL, que suporia a criação da maior zona de livre comércio do mundo.

Em maio de 2010, em Madrid, recomeçaram as negociações UE-MERCOSUL, abruptamente interrompidas em 2004. A falta de vontade de alguns dos principais sócios de ambos os grupos, a prevenção pela envergadura do acordo e o temor a um novo e traumático fracasso teriam diluído o interesse por retomar as negociações. A decisão de Madrid foi fruto do impulso político da Espanha e da Argentina, os dois países que presidiam a UE e o MERCOSUL, com a cumplicidade ativa e protagonista da Comissão Europeia e o acompanhamento decidido de outros sócios de ambos os grupos. A estagnação da Ronda de Doha levou o Brasil a situar o Acordo com a UE entre suas prioridades.

A assincronia dos processos eleitorais (Argentina, França) atrasou a apresentação de propostas, que poderia ser produzida no segundo semestre de 2012, com a Presidência do Brasil no MERCOSUL. Há um claro risco de que a grave crise econômica na Europa e os efeitos do desaquecimento do comércio mundial sobre as economias do MERCOSUL alterem as prioridades das agendas políticas, e isso em um ambiente negativo, com aumento de tarifas por parte da Argentina e do Brasil, barreiras às importações e clima de turbulências cambiárias na Argentina ou confisco de ações da Repsol no YPF.

UE é o primeiro destino das exportações do MERCOSUL e o segundo exportador ao MERCOSUL –depois da Ásia-Pacífico–, onde também é o primeiro investidor

Mas se o panorama a curto prazo mostra um contexto propício para avançar em acordos que favoreçam e incentivem o comércio e o investimento, uma visão de maior abrangência evidencia que, apesar do que foi mencionado anteriormente ou também por esses mesmo motivos, o incentivo à negociação e a conclusão de um Acordo é se há uma prioridade ainda maior, tanto por motivos econômicos como, e não menos importante, geoestratégicas.

A importância econômica e comercial que teria o Acordo para ambas as partes é inquestionável. A UE é o primeiro destino das exportações do MERCOSUL e o segundo exportador ao MERCOSUL –depois da Ásia-Pacífico–, onde também é o primeiro investidor.

06Estudos de impacto projetam um efeito muito positivo do Acordo nas economias do MERCOSUL, que poderia ver a ampliação considerável do seu acesso ao importante mercado europeu; o PIB cresceria 0,5% na Argentina, 1,5% no Brasil e até 10% no Paraguai. Para a UE, o aumento seria de 0,1% do PIB, mas, principalmente, passaria a desfrutar de uma posição singular como socioeconômico e comercial preferente do MERCOSUL, beneficiando-se, por exemplo, do acesso no Brasil a um mercado de 30 bilhões de US$ em compras governamentais, que hoje estão fechadas.

Mas, em especial, um possível Acordo UE-MERCOSUL teria uma profundidade estratégica tão intensa como multidimensional.

Para a UE, seria a possibilidade de um salto gigante no caminho marcado pelos acordos com o México, Chile, América-Central, Colômbia e Peru e uma robusta relação com a América Latina.

No MERCOSUL, aceleraria as dinâmicas de sua construção interna, incentivando a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre seus membros e a harmonização de legislações, fortalecendo o processo de integração e a criação efetiva de uma política comercial comum, objetivos declarados em 1991 no Tratado de Assunção e ainda não alcançados em uma União com importantes carências e limitações.

O Acordo produziria um espaço mais aberto, previsível e regrado para o comércio e os investimentos, tanto entre a UE e o MERCOSUL como entre os sócios desse último, permitindo superar as incertezas e tensões atuais.

O aprofundamento do MERCOSUL para relacionar-se como um bloco coerente e de acordo com a UE, além de contribuir com a estabilidade regional, permitiria que tornasse realidade seu imenso potencial como ator internacional, um objetivo que acompanharia as ambições do Brasil de consolidar-se como grande potência, mas sem ser percebida como um ator solitário e unilateral.

Para a UE, o aumento seria de 0,1% do PIB, mas, principalmente, passaria a desfrutar de uma posição singular como socioeconômico e comercial preferente do MERCOSUL

Finalmente, o MERCOSUL e a UE –igual ao México e a outros países da Região– olham com grande receio a forma como a China, um país alheio à cultura e aos princípios de democracia e Estado de Direito que compartilhamos, aspira a transformar-se em uma potência hegemônica à custa, seja do reaprimoramento das economias da América Latina ou da África ou, de forma crescente, de aquisições nos cinco continentes, tão oportunistas como imprevisíveis em seus objetivos, um cenário que demanda uma visão e uma posição dividida entre ambos os lados do Atlântico. A UE e o MERCOSUL reúnem a massa crítica necessária para começar um exercício que deveria incorporar outros países importantes da Região e, claro, os EUA.

Rafael Estrella
Ex-embaixador da Espanha na Argentina
Ex-embaixador da Espanha na República Argentina (2007-2012); Vice-presidente do Real Instituto Elcano e presidente da Rede Ibero-americana de Estudos Internacionais. Especialista em relações internacionais, presidiu a Comissão de Assuntos Exteriores do Senado e foi Porta-voz do Grupo Socialista na Comissão de Assuntos Exteriores do Congresso dos Deputados. Entre 2000 e 2002 foi presidente da Assembleia Parlamentar da OTAN. Autor de inúmeros artigos em revistas e obras coletivas sobre assuntos como o Oriente Médio, o Mediterrâneo, a Europa, a Segurança Europeia e relações transatlânticas, a relação UE-Mercosul, ou a diplomacia pública. @Estrella_Rafa 

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