UNO Novembro 2022

UNO +1 Entrevista com Antón Costas por José Antonio Llorente

Antón Costas (Vigo, 1949) é um dos principais economistas espanhóis. É autor de um amplo trabalho sobre política económica, reformas institucionais, processos de liberalização e situação económica e política em Espanha e na Europa, e é Professor Catedrático de Política Económica na Universidade de Barcelona. Mas também desempenhou um papel notável à frente de instituições da sociedade civil — foi presidente do Cercle d’Economia — e de organismos oficiais: hoje, é presidente do Conselho Social e Económico do Governo espanhol.

Nesta conversa, revisitamos algumas das questões que abordou no seu último livro, “Laberintos de la prosperidad”: a relação potencialmente criativa e benéfica entre o mercado e o Estado, a necessidade de ter boas empresas que criem bons empregos, a transformação digital e ecológica sob a égide dos fundos europeus e, sobretudo, os desafios de forjar uma economia inclusiva que ele descreve como “um novo contrato social centrado nos bons empregos”.

Nos últimos anos, alguns grupos sociais não só perderam a prosperidade, como perderam as expetativas de a encontrar novamente.  No seu último livro, “Laberintos de la prosperidad”, falou da renovação do contrato social para voltar a encontrar essa prosperidade inclusiva. Que tipo de contrato social é necessário para reativar a economia de uma forma justa?

Precisamos de um contrato social que combine uma economia vibrante e inovadora e uma sociedade justa de forma equilibrada. Para isso, este contrato social deve centrar-se na criação de bons empregos, para mais pessoas e em mais partes do país. Caso contrário, a falta de expetativas e oportunidades vividas por muitas pessoas, especialmente em cidades pequenas e médias e no mundo rural, levará a uma sociedade muito conflituosa e a uma política polarizada e autoritária. 

A ideia de contrato social surgiu da resposta à seguinte pergunta: O que é que faz uma sociedade liberal e pluralista, com um sistema de economia de mercado a funcionar harmoniosamente, para que o crescimento se reconcilie com o progresso social e que a democracia evite cair na barbárie? Isto não se consegue de forma automática com a economia de mercado. 

É necessária uma “cola” social, um compromisso moral e político de quem está bem dentro do sistema para com quem se arrisca a ficar para trás ou, em muitos casos, nas sarjetas da falta de emprego e de rendimentos para levar uma vida digna e educar os seus filhos. 

No passado, essa cola foi o contrato social pós-Guerra Mundial, centrado na redistribuição e na construção dos três pilares do atual Estado Social. Hoje em dia, na medida em que a desigualdade e a pobreza provêm principalmente da falta de empregos ou dos maus empregos, precisamos de um contrato social centrado na fase de produção, onde os empregos são criados e os salários são fixados. Também na fase de pré-produção, com uma boa educação e formação profissional dupla na qual as empresas têm uma responsabilidade fundamental e incontornável.

Talvez outra das coisas que precisamos de renovar seja a visão dicotomizada do Estado e do mercado. Temos de imaginar novas formas de cooperação entre o Estado e o mercado, entre o setor público e o privado. Como vê essa relação?

Essa dicotomia é maniqueísta e profundamente perturbadora. Numa sociedade liberal, o mercado e o Estado não são mecanismos rivais, mas complementares. O desenvolvimento económico moderno não pode ser explicado sem a combinação de ambos. Mas não só com ambos. A prosperidade tem um terceiro pilar: a comunidade. Recentemente, Raghuran Rajan, um célebre economista da Universidade de Chicago e ex-presidente do Banco da Índia, publicou um livro no qual tenta explicar as causas do profundo mal-estar e polarização existentes nos Estados Unidos. O próprio título é ilustrativo da tese que sustenta: “The Third Pilar. How Markets and the State Leave the Community Behind”. Também em Espanha, ao longo dos últimos trinta anos, esquecemos aqueles que, por todo o país, foram prejudicados e relegados pelas consequências da desindustrialização. Temos de devolver oportunidades e expetativas de progresso às comunidades que vivem em pequenas e médias cidades e no mundo rural. Para isso, precisamos de políticas industriais, de inovação e de desenvolvimento centradas nas comunidades. Não é uma tarefa fácil, mas é essencial se quisermos voltar a reconciliar crescimento com progresso social.

Numa sociedade liberal, o mercado e o Estado não são mecanismos rivais, mas complementares.

Há também algumas ideias que, durante muito tempo, vimos como uma dicotomia e que certamente não o são: por um lado, a eficiência económica. Por outro lado, a justiça social. Agora, sabemos que ambas as coisas podem e devem andar de mãos dadas.

A ideia de que uma sociedade mais equitativa só pode ser alcançada à custa da redução da eficiência da economia é outra dicotomia frequentemente utilizada no debate público e político, que sabemos, agora, ser falsa. Quando tirei a minha Licenciatura na universidade, fui obrigado a ler e aprender sobre a chamada lei de Okun: um economista norte-americano muito preocupado com a desigualdade, mas que ficou surpreendido ao descobrir que os dados que conseguiu tratar nos anos 1970 mostravam que havia uma relação inversa entre sociedade justa e eficiência económica. É a famosa imagem do bolo, quer para o repartir melhor sob pena de não crescer, quer para, mais tarde, ver como se reparte melhor. Agora, há pouco mais de cinco anos, utilizando os melhores dados e técnicas estatísticas que Okun pôde utilizar, sabemos que não é o caso: uma sociedade mais justa leva a uma economia mais eficiente, inovadora e produtiva. Creio que é uma verdadeira “epifania”, uma revelação muito importante e ainda pouco conhecida. 

E parte do problema a resolver é o do emprego. A geração de bons empregos por parte de boas empresas. Como conseguimos recuperar os bons empregos cuja ausência é uma das causas da sensação de mal-estar sentida por partes significativas da sociedade?

Comprometendo-nos com a criação de bons empregos, para mais pessoas e em mais lugares do país. A pergunta é: Quem cria emprego? Em primeiro lugar, as boas empresas. Temos de promover e incentivar a existência de boas empresas. Para isso, temos de reforçar a capacidade inovadora e a produtividade do amplo tecido empresarial, em muitos casos, liliputiano, e do setor terciário. Em segundo lugar, a quantidade de emprego também depende de uma boa gestão da procura agregada da economia, especialmente nas fases de recessão. Na recessão de 2008, gerimos mal, com a chamada “austeridade”, e o emprego e a atividade económica mergulharam no poço negro da depressão durante cinco anos, sem precedentes. Na recessão pandémica de 2020, gerimos bem, o emprego não entrou em colapso e a atividade económica recuperou rapidamente. Temos de tirar boas lições destas duas experiências. Cada vez que gerimos mal as crises nos últimos trinta anos, e permitimos que as recessões durassem muitos anos, acrescentámos mais uma camada de desemprego de longa duração. Espero que, agora, tenhamos aprendido a não o voltar a fazer.

Agora, após a pandemia, estamos a entrar numa fase que esperamos que seja de recuperação económica, mesmo que a guerra na Ucrânia o dificulte em grande medida. Mas também coincide com duas enormes transformações: por um lado, a ecológica e, por outro, a digital. Que desafios e possibilidades vê nesse duplo processo?

Como isto coincide com uma nova era de guerra e com um prolongado conflito geopolítico e instabilidade nas cadeias de abastecimento globais e uma grave perturbação dos preços das mercadorias, teremos de encontrar soluções de compromisso adequadas entre os processos de digitalização e descarbonização e assegurar a continuidade da atividade económica e do emprego. 

São momentos para recordar aquela máxima de Santo Agostinho nas suas “Confissões” quando pedia ao Senhor que “lhe concedesse a castidade, mas não já”. Com a descarbonização, algo semelhante irá acontecer-nos.  A ideia de uma digitalização e uma descarbonização “justa” é poderosa, mas não é fácil de alcançar. Insisto mais uma vez na necessidade de políticas centradas nos lugares que prestem especial atenção aos impactos territoriais da descarbonização e que não nos aconteça o que aconteceu com a desindustrialização do final do século passado. 

No que respeita à digitalização, as novas tecnologias podem ser utilizadas para substituir empregos humanos ou para melhorar a capacidade de inovação e produtividade das pessoas. Não há nenhum fatalismo nisto. Depende da orientação que dermos à direção da mudança tecnológica. Na minha opinião, o fundamental é atingir rapidamente a alfabetização digital básica do conjunto da população.

A decisão de criar os fundos europeus “Next Generation” é um “momento hamiltoniano” para a UE.

Qual a sua opinião sobre a disseminação de ferramentas europeias inovadoras, tais como os fundos europeus? Acha que mostram que aprendemos com lições passadas e que podemos fazer as coisas de uma forma mais imaginativa?

A decisão de criar os fundos europeus “Next Generation” é um “momento hamiltoniano” da UE. Com esta expressão, refiro-me a Alexander Hamilton, o primeiro Secretário do Tesouro dos EUA na administração de G. Washington, que conseguiu a comunitarização da dívida dos Estados após a Guerra da Independência, a emissão da primeira dívida federal e a implementação de políticas industriais, de inovação e desenvolvimento que forjaram a grande nação que os Estados Unidos são hoje. 

Penso que os fundos Next Generation UE, a emissão de dívida europeia e as novas políticas industriais e de inovação estratégicas são esse “momento hamiltoniano” da UE. Uma velha máxima clássica diz que nunca há ventos favoráveis para quem não tem rumo. Os fundos Next Generation são um extraordinário vento favorável para a transformação da economia privada e do setor público espanhol. Agora, precisamos de definir bem o rumo dessa transformação. 

 

No final, a questão é sempre: Como podemos utilizar a economia, as ideias económicas, as ferramentas que nos dá, para o bem comum?

Os meus professores da Faculdade, em particular, os Professores Fabián Estapé e Ernest Lluch, ensinaram-me que, devidamente utilizada, a economia é uma alavanca extraordinária para o bem comum. Acredito que sim. Os governos podem fazer muito e bem ao bem-estar das pessoas. E a combinação de uma economia dinâmica e vibrante com uma sociedade justa é a melhor combinação para voltar a civilizar o capitalismo, reconciliando-o com o progresso social e a democracia. É uma grande tarefa por fazer. E penso que o podemos fazer. Como os nossos pais e avós fizeram após a Grande Depressão dos anos 1930 e a Segunda Guerra Mundial: com um novo contrato social agora centrado nos bons empregos.

Antón Costas
Presidente do Conselho Económico e Social de Espanha
Engenheiro Técnico Industrial e Economista. Professor Catedrático de Política Económica na Universidade de Barcelona. Autor de “El final del desconcierto. Un nuevo contrato social para que España funcione”, “La nueva piel del capitalismo”; “La Torre de la arrogancia. Políticas y Mercados después de la crisis”; e “La crisis de 2008: de la Economía a la Política y más allá”. É colunista dos jornais "El País", "La Vanguardia" e "El Periódico de Cataluña". Na vertente empresarial, é membro dos Conselhos de Administração dos Laboratorios Reig-Jofre S.A.; Banco Mediolanum S.A. Grupo Bodegas Terras Gauda S.A. e Barnaclínic, S.A.. É também membro dos Conselhos Consultivos do Grupo Hotusa S.A., Roca Junyent Abogados S.A., Ingeus S.A. e Knowleged Sharing Network (KSNET). Foi também Defensor do Cliente da Endesa (2000-2005) e Presidente do Conselho Consultivo da Endesa na Catalunha (2005-2012), bem como diretor de várias empresas. No plano institucional, foi Presidente do Círculo de Economia (2013-2016) e foi Presidente da Fundação Cercle d'Economia (2018-2021).
José Antonio Llorente
Sócio Fundador e Presidente da LLYC
Como especialista em comunicação corporativa e financeira, ao longo dos seus mais de 25 anos de experiência assessorou numerosas operações corporativas – fusões, aquisições, desinvestimentos, joint ventures e colocação em bolsa –. É o primeiro profissional espanhol que recebe o prêmio SABRE Award de Honra pela realização Individual dos objetivos extraordinários - SABRE Award por Outstanding Individual Achievement - um prêmio a nível europeu, concedido pela The Holmes Report. Durante dez anos trabalhou para a firma multinacional Burson-Marsteller, onde foi Conselheiro Delegado. Atualmente é membro do Patronato da Fundação Euroamérica e da Junta Diretiva da Associação Espanhola de Acionistas Minoritários de Empresas Cotizadas. Pertence também ao Conselho Assessor de PME da Confederação Espanhola das Pequenas e Médias Empresas, à Junta Diretiva da Associação de Agências de Espanha, e ao Conselho Assessor do Executive MBA em Direção de Organizações de Serviços Profissionais organizado por Garrigues. José Antonio é Licenciado em Ciências da Informação, ramo de Jornalismo, pela Universidade Complutense de Madrid, e especialista em Public Affairs pela Indiana University da Pensilvânia e pelo Henley College de Oxford. @jallorente [EUA / Espanha]

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