UNO Setembro 2018

Lidando com a complexidade: o caos normal

O mundo no qual vivemos e trabalhamos é complexo e movido por forças que muitas vezes não conseguimos enxergar, reconhecer ou apreciar. Além disso, vivemos em um mundo de mudanças contínuas que frustram nossos planos. Portanto, somos constantemente forçados a nos adaptar. Essas ações adaptativas, muitas vezes descritas como “gerenciamento” ou “tomada de decisão”, trazem consequências, pois todas as situações apresentam vantagens e desvantagens, sejam elas óbvias ou não. Face à necessidade de esperar o inesperado, colocamos em ação planos, procedimentos e sistemas de comando e controle que deveriam nos impedir de cometer erros para que estes pudessem evitar uma situação de crise. No entanto, a questão é saber se isto realmente prevenirá o fracasso organizacional.

Nos últimos anos, pesquisamos se existe uma abordagem diferente para gerenciar situações complexas. Em uma tentativa de deixar de usar a complexidade como uma explicação retrospectiva para uma que facilita uma abordagem mais proativa do gerenciamento, mudamos o atual paradigma de causa e efeito. Demos a esse novo paradigma um nome e o chamamos de “caos normal” para explicar circunstâncias em que o padrão real de interações dentro de um sistema dinâmico é complexo demais para ser totalmente apreciado ou compreendido e que, por sua vez, torna os resultados difíceis de prever.

Se olharmos para a crise a partir de uma perspectiva do caos normal, reconhecemos que há pouquíssima estabilidade no ambiente, o que inúmeras vezes exige a criação de soluções de gerenciamento improvisadas

Se olharmos para a crise a partir de uma perspectiva do caos normal, reconheceremos que há pouquíssima estabilidade no ambiente, o que inúmeras vezes exige a criação de soluções de gerenciamento improvisadas. Assim, isso nos faz questionar sobre como é a gestão eficaz de crises em organizações que podem vir a enfrentar uma situação complexa um dia. Em seu livro Overcomplicated, Samuel Arbesman (Penguin, 2016) ilustra a complexidade dos sistemas com os quais lidamos atualmente. Isso significa que os problemas têm múltiplos caminhos que diminuem a previsibilidade de resultados ou resultados futuros e que esse estado de coisas também afeta a capacidade de exercer controle sobre esses eventos. Na verdade, gerentes têm menos controle do que os outsiders pensam ou esperam. Esses múltiplos caminhos estão cheios de incerteza, desproporcionalidade e fenômenos emergentes. A instabilidade, em suas diversas formas, é nossa companhia constante.

Ligando isso à complexidade interativa do mundo com a qual temos que lidar, precisamos reconhecer que a compreensão dos problemas que enfrentamos será sempre apenas parcial. Existem algumas boas razões para isso. Primeiro, porque muitas vezes vemos coisas a partir de padrões. Embora isso nos ajude a entender assuntos complexos para torná-los mais compreensíveis, o outro lado da moeda é que os padrões que observamos são frequentemente temporários, dependentes do contexto e da escala de observação. Portanto, esses padrões podem ser simplesmente ilusórios. É por isso que precisamos ser cautelosos em basear nossos planos neles. Em segundo lugar, não há soluções ideais para os problemas! Todas as soluções são contingências adotadas nas circunstâncias em que surgem. Terceiro, nossa capacidade de realmente controlar o que acontece com nossa organização e com nós mesmos é muito mais limitada do que normalmente se supõe. A ideia de que os processos organizacionais podem ser lineares e que as equipes de gerenciamento podem antecipar adequadamente as situações de crise é uma falácia. Em crise, as organizações lidam com a complexidade, que beira o caos.

Vamos ilustrar essa ilusão de controle com um exemplo prático de atravessar uma rua. Você só tem controle parcial da situação em que você pode controlar suas próprias atividades, mas não as atividades daqueles ao seu redor. Você pode tentar influenciar as outras partes, como por exemplo, erguer a mão para pedir a um carro que pare para deixá-lo cruzar. Mas estes podem te ignorar. E eles costumam fazer isso. Anualmente, mais de 4.500 pedestres são mortos em acidentes de trânsito nos Estados Unidos. Isso equivale a uma morte de pedestre relacionada a colisões a cada duas horas. Além disso, mais de 150 mil pedestres foram atendidos nos departamentos de emergência dos EUA em decorrência de lesões não fatais ligadas a acidentes naquele ano.

Isso mostra a limitação de regras e comandos. Da mesma forma, nas organizações, líderes precisam de seguidores, pessoas para obedecer a um comando. Neste caso, você comanda o carro para parar, mas ele ignora você. Dentro de qualquer organização, haverá ocasiões frequentes em que comandos e regras serão ignorados ou executados de uma maneira que não foi planejada pela pessoa que comanda ou é avessa ao objetivo da regra. O “controle” de sua própria situação também pode ser parcial, caso julgue erroneamente a velocidade entre você e o carro que está chegando, levando-o a sair do seu caminho na hora certa. Você não percebeu que uma mulher com o carrinho estava atrás de um ônibus, fato que o impediu de chegar em segurança ao asfalto, de acordo com o que foi planejado. Atravessar a estrada pode ser uma simples atividade (abstraindo muito do que está acontecendo) ou apenas uma outra manifestação do caos normal.

Encontrar o equilíbrio ideal entre o uso de regras e regulamentos de um lado, e confiar nas interdependências de equipes autônomas em operações do outro, é fundamental para antecipar situações complexas

Dado isso, vemos que ter um processo de planejamento efetivo é mais importante do que simplesmente ter um plano. No entanto, isso requer uma mudança de mentalidade, que esteja disposta a enviar o “paradigma mundial perfeito”, utópico (que diz que podemos administrar a crise), para o além e aceitar que realmente temos muito pouco controle. Portanto, devemos ver a administração como uma mistura de “habilidades intuitivas”, junto com o cumprimento de leis e regulamentos, para lidar com a incerteza predominante que nos rodeia. Nossa pesquisa indica que encontrar o equilíbrio ideal entre o uso de regras e regulamentos de um lado, e confiar nas interdependências de equipes autônomas em operações do outro, é fundamental para antecipar situações complexas. Embora nunca se tenha “controle total” dentro de um conjunto de restrições, isto ajudará notavelmente as equipes a evitar a armadilha de causa e efeito, e concentrará tudo isso em algumas regras simples, princípios ou em Fatores Críticos do Sucesso, que os orientarão ao longo do processo de crise.

Hugo Marynissen
Presidente do CIP Institute
É professor e diretor acadêmico do Programa de PhD Executivo na Antwerp Management School e professor visitante em várias universidades. Além disso, é sócio sênior da PM Risk-Crisis-Change, uma agência especializada em gestão de riscos e crises. Desde 2008, Marynissen fornece serviços regulares de coaching e consultoria na área de riscos e gerenciamento de crises. Também é presidente do CIP Institute, uma organização sem fins lucrativos que reúne cientistas e profissionais de várias disciplinas em uma plataforma inovadora e inspiradora para proporcionar a troca e o desenvolvimento de conhecimentos sobre Processos Complexos e Interativos (CIP) na área de crise. O foco de sua atual pesquisa é a dinâmica de equipes em situações de crise, liderança em segurança, calamidades e sobre o papel da comunicação de crise em situações extremas. [Bélgica]
Mike Lauder
Diretor e gerente da Alto42 Ltda
Mike Lauder iniciou sua trajetória profissional como engenheiro militar e serviu ao exército britânico por mais de 20 anos. Durante esse período, vivenciou questões práticas de gerenciamento de riscos e planejamento de crises. Seu trabalho incluiu a atuação em casos de gerenciamento de projetos (incluindo engenharia e compras), planejamento corporativo e desenho de processos, permitindo que a maior parte de sua carreira fosse dedicada ao trabalho de descarte de explosivos, na qual o bom gerenciamento de riscos se tornou uma questão muito pessoal. Mike Lauder é doutor em administração pela Cranfield University School of Management. Publicou vários livros e trabalhos de pesquisa sobre governança de risco e práticas de gerenciamento de crises. Também atua como professor visitante na Antwerp Management School e na Cranfield University School of Management. Atualmente, é Diretor-gerente da Alto42 Ltda. [Reino Unido]

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