UNO Julho 2023

A quadratura do círculo da transição ecológica e energética

Quando Olaf Scholz visitou o Brasil em janeiro de 2023, anunciou uma doação de mais de 200 milhões de euros para proteger a Amazónia. Este foi o primeiro líder estrangeiro que o Presidente Lula da Silva recebeu após a sua reeleição, e uma parte significativa do encontro foi dedicada ao ambiente. “É uma boa notícia para o planeta o facto de Lula estar empenhado em combater as alterações climáticas e a destruição da floresta tropical”, afirmou o chanceler alemão. Claro que sim. Mas, como se sabe, são ambas tarefas gigantescas que exigem a colaboração, a coordenação e o empenho de todos para serem alcançadas.

Tornou-se um lugar comum recordar o papel da América Latina e das Caraíbas (ALC) na luta contra as alterações climáticas e na transição verde, para além do facto de a Amazónia ser o pulmão do mundo e da sua enorme biodiversidade. Apenas alguns números: alberga 33 % das terras aráveis do planeta, 25 % das florestas tropicais, 52 % das reservas de cobre, um terço da água potável, 20 % da capacidade hidroelétrica e 40 % das terras raras.

Por outro lado, a região é responsável por apenas 8 % das emissões globais de gases com efeito de estufa, mas é também uma das mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas. O poder destrutivo dos furacões, secas, incêndios e inundações tem custado o equivalente a 1 % do PIB médio regional e até 2 % em alguns países da América Central. De acordo com um relatório do Banco Mundial, mais de 17 milhões de latino-americanos poderão ser deslocados devido às alterações climáticas até 2050. É também a região mais perigosa para os defensores ambientais.

A União Europeia pode, e deve, contribuir com financiamento e apoio para aumentar a capacidade de adaptação, atenuação e resiliência dos países da América Latina

É óbvio que a UE (cujas emissões, num ambiente muito mais industrializado, representam também 8 % do total) pode, e deve, contribuir com financiamento e apoio para aumentar a capacidade de adaptação, atenuação e resiliência dos países da América Latina.

E não se trata apenas da vontade de apoiar a transição para economias verdes e sustentáveis, a fim de alcançar os objetivos estabelecidos pela agenda climática global. A Europa parece ter descoberto “de repente” que a ALC pode ser um parceiro relevante para assegurar a transição energética e digital em que apostou o seu futuro.

O processo está a ser marcado por dois fatores fundamentais. Por um lado, a guerra na Ucrânia obrigou a UE a reduzir ao mínimo a sua dependência da energia russa e acelerou significativamente a reconversão energética dos países da UE. Por outro lado, no meio da rivalidade crescente entre os Estados Unidos e a China, a Europa declarou a sua intenção de lançar um processo que o presidente da Comissão Europeia apelidou de de-risking. O termo refere-se à necessidade de reduzir as vulnerabilidades causadas pela dependência de matérias-primas essenciais procedentes deste país asiático. Até 98 % no caso das terras raras.

Outro exemplo paradigmático é o lítio, o metal que alimenta as baterias de longa duração, seja em telefones, computadores ou qualquer outro dispositivo eletrónico, incluindo veículos elétricos, e que é utilizado para armazenar a energia produzida por painéis solares e turbinas eólicas. O grande desafio das energias renováveis. O chamado “triângulo do lítio” – Chile, Argentina e Bolívia – alberga cerca de 60 % das reservas mundiais de lítio. No papel, uma grande oportunidade; na prática, coloca todo o tipo de desafios relacionados com o controlo dos recursos, face a “predadores” estrangeiros, com os métodos de extração, mais ou menos respeitadores do ambiente e dos direitos das populações indígenas, ou com o modelo de produção e de desenvolvimento a alcançar, um modelo capaz de abandonar os padrões extrativistas tradicionais e de gerar um verdadeiro valor acrescentado.

Esta preocupação com uma transição justa, tendo em conta o seu impacto nas mulheres e nas populações locais, especialmente as indígenas, na procura da inclusão e da equidade, que proteja o bem-estar dos trabalhadores e que recupere igualmente os conhecimentos e tradições ancestrais, está presente em todos os documentos e iniciativas que abordam a transição verde e energética na relação birregional.

Entre as mais recentes contam-se a Carta Ambiental Ibero-Americana, aprovada na Cimeira Ibero-Americana de Santo Domingo, em março de 2023, e a Nova Agenda para as Relações entre a UE e a América Latina e as Caraíbas, a comunicação conjunta da Comissão Europeia e do Alto Representante para a Política Externa dirigida ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu em 7 de junho. No horizonte próximo está a cimeira UE-CELAC, que se realizará no âmbito da Presidência espanhola do Conselho da UE. “A parceria estratégica UE-ALC é hoje mais importante do que nunca. Somos aliados fundamentais no reforço da ordem internacional baseada em regras e na defesa conjunta da democracia, dos direitos humanos, da paz e da segurança internacionais. Estamos igualmente interessados em reforçar a nossa cooperação e diálogo políticos, em combater as alterações climáticas e em impulsionar uma transformação digital inclusiva e centrada nas pessoas. O nosso programa Global Gateway irá impulsionar igualmente o investimento e uma cooperação mais estreita”, afirmou Ursula Von der Leyen na sua apresentação.

De facto, está a ser dada muita ênfase ao Global Gateway, o programa de apoio ao investimento em infraestruturas que procura competir, de certa forma, com a iniciativa chinesa “Belt and Road Initiative” (conhecida como a nova Rota da Seda), embora com um financiamento consideravelmente menor. O desejo europeu de cooperação é também dificultado pela complexidade dos instrumentos financeiros adequados mas, neste caso, a vontade política pode e deve prevalecer sobre as questões técnicas.

O relançamento das relações entre as duas regiões tem na transição ecológica e energética um excelente campo de ensaio para a quadratura do círculo, a fim de transformar as intenções em realidade, como parceiros iguais empenhados no futuro das suas sociedades e do planeta. É uma oportunidade que não se deve desperdiçar.

Cristina Manzano
Diretora da esglobal
Diretora da Esglobal (www.esglobal.org, antiga Foreign Policy, em espanhol), publicação digital de referência em questões globais. Colabora em outros meios de comunicação, nacionais e internacionais, e mantém um blog na edição espanhola do The Huffington Post. Cristina participa regularmente como oradora em eventos e debates sobre temas internacionais, especialmente em assuntos relacionados à política externa espanhola e da União Europeia, à comunicação política e à filantropia. Foi Subdiretora da FRIDE e, por 10 anos, Diretora-Geral da Reporter. Graduada em Jornalismo pela Universidade Complutense de Madri, tem pós-graduação pela Universidade de Maryland, graças a uma bolsa de estudos Fulbright.

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