UNO Julho 2023

O interesse renovado pela América Latina: uma oportunidade para reforçar a influência de Espanha na UE

A América Latina foi sempre uma das prioridades da política externa espanhola. No entanto, até à data, Espanha não foi capaz de transpor este objetivo para a agenda europeia. A política de cooperação é um exemplo representativo disto: por um lado, a América Latina tem sido um objetivo central da ajuda ao desenvolvimento de Espanha; por outro lado, Espanha canaliza a maior parte da sua ajuda através da UE. No entanto, a ênfase nacional na América Latina não se refletiu na política comunitária de cooperação, que deu prioridade à vizinhança da UE e à África subsariana. A principal razão é que, pelo menos até à data, Espanha não conseguiu fazer com que os outros parceiros europeus vissem a importância estratégica da América Latina.

Poder-se-ia argumentar que os restantes Estados-Membros têm outras prioridades geográficas que impedem a América Latina de estar no centro da agenda. Outra explicação pode ser encontrada no facto de a influência espanhola na Europa ter sido irregular, tendo mesmo diminuído a partir de 2000. A isto junta-se a ausência de uma visão estratégica e a longo prazo das prioridades de Espanha na UE que vá além de um europeísmo entusiástico e acrítico. O resultado é que Espanha assumiu uma posição de policy taker, ou seja, de um país que tira partido dos benefícios da integração, em vez de um policy maker ou influenciador da agenda europeia.

A ênfase da Espanha não se refletiu na política comunitária de cooperação. Pelo menos até à data, Espanha não conseguiu fazer com que os outros parceiros europeus vissem a sua importância estratégic

No entanto, neste momento de particular complexidade na cena europeia e internacional, existe a possibilidade de, por um lado, a América Latina ganhar posições nas prioridades europeias e, por outro, Espanha consolidar uma maior presença e influência nas instituições europeias.

Em primeiro lugar, a invasão da Ucrânia pela Rússia revelou que a posição comum dos EUA, da UE e do Reino Unido não é partilhada por outras grandes potências, como a Turquia, a Índia ou a China. Neste sentido, os parceiros ocidentais estão perante o desafio de procurar apoio político para condenar a agressão russa. A guerra também evidenciou a importância de a UE diversificar os seus parceiros e reduzir as dependências em setores estratégicos como a energia.

Neste contexto, a América Latina posiciona-se como um parceiro atrativo. Por um lado, a Europa e a América Latina partilham fortes laços históricos, culturais e políticos. Além disso, a colaboração com a América Latina será fundamental para a obtenção de bens públicos mundiais, como a luta contra as alterações climáticas ou a saúde mundial. Pode igualmente ser um aliado na redução de vulnerabilidades e na diversificação de dependências em setores estratégicos, no avanço da realização de objetivos no âmbito da agenda ecológica e digital e na criação de oportunidades em termos de comércio e investimento. Em todo o caso, a UE enfrenta o desafio de competir com outros intervenientes que também têm interesses na região. A UE deve, assim, ser capaz não só de se aproximar unilateralmente da América Latina, mas também de fazer ver à outra parte os benefícios de uma relação mais próxima. Tal exigirá, sem dúvida, progressos tangíveis em matérias concretas como o acordo comercial com o Mercosul.

Trata-se de um desafio particularmente complicado no contexto atual, marcado pela deslocação do centro de gravidade da Europa para Leste e pelo cenário internacional de incerteza e volatilidade

Nos últimos anos, Espanha tem sido capaz de atuar com liderança e ambição no seio da União, invertendo décadas passadas de influência pouco expressiva. No entanto, deve agora ser capaz de consolidar este protagonismo. Um desafio particularmente complicado no contexto atual, marcado pela deslocação do centro de gravidade da Europa para Leste e pelo cenário internacional de incerteza e volatilidade, que obrigam a UE a redefinir as suas prioridades e políticas, adotando uma atitude mais proativa e estratégica.

Neste sentido, não há dúvida de que Espanha se encontra numa posição privilegiada para servir de ponte entre a América Latina e a Europa. Tal permitir-lhe-á reforçar a sua posição e influência no ecossistema europeu. Após quatro Presidências rotativas do Conselho em que a Espanha fez da América Latina uma das suas prioridades, o semestre espanhol na segunda metade de 2023 é talvez a melhor oportunidade para dar uma importância renovada à região latino-americana no debate europeu e, assim, reforçar a voz espanhola na UE.

Raquel García Llorente
Investigadora do Real Instituto Elcano
Licenciada em Relações Internacionais pela Universidade Complutense de Madrid e MBA Internacional pela Universidade Politécnica de Madrid. Atualmente, é doutoranda na Universidade Autónoma de Madrid sobre o ecossistema de influência de Espanha em Bruxelas. Anteriormente, trabalhou no Departamento de Assuntos Europeus do Gabinete da Presidência do Governo. Desde 2021, é investigadora do Real Instituto Elcano. É também assessora de Assuntos Públicos e Europeus em empresas de consultoria como LLYC.

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